O Estado de S. Paulo

Serra gaúcha

Nos cânions intocados de Cambará do Sul, a pressa é só do vento.

- Anelise Zanoni / CAMBARÁ DO SUL ESPECIAL PARA O ESTADO

Se há uma coisa que tem pressa na região gaúcha dos Campos de Cima da Serra, é o vento. Quando ele sopra, percorre as fendas dos desfiladei­ros e atravessa paisagens onde estão as maiores (e talvez mais belas) cadeias de cânions da América do Sul. Mas apressado ali, só mesmo esse vento. Pensei nisso enquanto percorria uma trilha de campo aberto em Cambará do Sul (RS), com sol no rosto e coração acelerado, em agosto. Me dei conta de que, desde minha última visita à região, em 2004, muita coisa mudou por ali. Mas tudo num ritmo lento.

Naquela época, há 15 anos, quando a gente nem imaginava viajar com um smartphone como guia, todos os acessos tinham estrada de terra, onde geralmente buracos gigantes marcavam presença. Hoje, no município de Cambará do

Sul, conhecido como a terra dos cânions (é a porta de entrada para os parques nacionais Aparados da Serra e Serra Geral) e principal destino para quem visita a região, o asfalto chegou, mas apenas para parte dos caminhos. Muitas vias rústicas que recortam as paisagens verdes e rurais ainda estão lá, assim como as pousadas que funcionam dentro da casa dos proprietár­ios e o comércio, que geralmente fecha as portas na hora do almoço.

Talvez esse seja um dos principais encantos de um dos destinos mais bonitos do Rio Grande do Sul. Mas é preciso ter tempo para percorrer as distâncias até os principais desfiladei­ros e serenidade para encarar a imensidão de paredes de pedra e contemplar o trabalho da natureza.

Praticamen­te intocada, com cânions gigantes, quedas d’água que brotam de paredões e vegetação em meio a cachoeiras, a região deve ampliar o número de turistas nos próximos anos. Isso porque está marcada para agora, em outubro, a definição sobre a concessão à iniciativa privada dos parques nacionais Aparados da Serra e Serra Geral. Ambos abrigam as atrações mais visitadas do Rio Grande do Sul: o Itaimbezin­ho e o Fortaleza, respectiva­mente.

Mudanças à vista. Entre os moradores, há quem torça para a entrada de uma empresa internacio­nal, que poderia melhorar o acesso e a infraestru­tura de visitação. Outros ainda não se acostumara­m com a possibilid­ade de a cidade poder receber no futuro até quatro vezes mais viajantes por ano. De acordo com a secretária de Turismo de Cambará do Sul, Beatriz Isoppo Trindade, o destino recebe anualmente 250 mil pessoas e, em três anos, o número pode chegar a 1,2 milhão. O avanço certamente teria reflexos em municípios vizinhos que têm alto potencial turístico, como São José dos Ausentes, Jaquirana e Praia Grande (já do lado catarinens­e).

Por enquanto, é possível viajar por ali sem pressa e ser recebido com simpatia em restaurant­es e pousadas familiares, cujos proprietár­ios contam com emoção as histórias de seus antepassad­os. As agências locais também são pequenas – e se orgulham dos guias que cresceram entre as trilhas que levavam a cachoeiras e a cânions pouco explorados.

Há, no entanto, espaços para quem deseja mais conforto e exclusivid­ade. Nesse sentido, Cambará do Sul é o município com melhor infraestru­tura, com diferentes perfis de hospedagem.

O Parador, por exemplo, é um refúgio de luxo onde se pode passar dias na maior mordomia, com refeições assinadas por chefs. Para quem se preocupa com sustentabi­lidade, conhecer o projeto do Cambará Eco Hotel pode ser inspirador. E, àqueles que não se importam em ficar mais afastados dos parques e gostam de roteiros alternativ­os, o Estância das Flores, em Bom Jesus, e o disputado Morada dos Canyons, em Praia Grande, já do lado catarinens­e, são boas alternativ­as. Seja qual for o jeito de viajar, vá com calma para contemplar. Deixe a pressa para o vento.

Levar o título de terra dos cânions é uma grande responsabi­lidade. Com pouco mais de 6 mil habitantes, a cidade de Cambará do Sul precisou descobrir seu espírito empreended­or para aproveitar seu potencial turístico e criar opções aos viajantes que vêm conhecer os cânions Itaimbezin­ho, no Parque Nacional de Aparados da Serra, e Fortaleza, no Parque Nacional Serra Geral.

Quem passa pelo centrinho percebe a movimentaç­ão: pedreiros levantando paredes com pressa surgem aqui e ali. Querem terminar o trabalho a tempo de a concessão dos parques ser efetivada. Enquanto isso não acontece, fazer a visitação é tarefa fácil, mas exige planejamen­to: reserve um dia para cada parque, pelo menos. Ambos têm entrada gratuita.

O ideal é privilegia­r passeios pela manhã, para evitar paisagens com neblina. Também é importante saber que o clima muda rapidament­e, podendo transforma­r dias amenos em clássicos de inverno.

Aparados da Serra

Para quem vai aos parques por conta própria, a dica é ir primeiro aos Aparados da Serra. A chegada à área protegida, que em dezembro completa 60 anos, exige percorrer 11 quilômetro­s de estrada de chão. São cerca de 20 minutos balançando – mas compensa.

A entrada é simples: paramos numa cancela, deixamos alguns dados pessoais e seguimos de carro até o estacionam­ento. Desde 2016, o acesso é gratuito.

Atualmente, duas trilhas estão liberadas: a do Cotovelo e a do Vértice. Comece pela primeira, mais longa, assim o corpo se acostuma e todo o resto vai parecer fácil. Ao todo, são cerca de 3 horas de passeio em um caminho leve, passando entre árvores e pontilhões de onde é possível ouvir o barulho da água.

A gente não percebe, mas a caminhada é feita pelas bordas do Itaimbezin­ho, que só desponta no horizonte no final do passeio. E é justamente no fim que está o melhor. É quando paramos nos mirantes e podemos ver parte dos 5,8 quilômetro­s de extensão das paredes, que algumas vezes são cobertas por quedas d’água.

No total, a trilha do Cotovelo, com pouco mais de seis quilômetro­s (ida e volta), transpõe arroios e passa por mirantes instalados à borda do cânion, possibilit­ando uma vista privilegia­da. Em uma das plataforma­s, despenca o Véu de Noiva, cachoeira que deságua no fundo do abismo por onde corre o Rio do Boi (ótimo ponto para quem gosta de trilhas longas, difíceis e guiadas). Depois da visita, voltar os 3 quilômetro­s restantes fica até fácil.

Já a trilha do Vértice pode ser acessada ao lado do centro de informaçõe­s, local onde está o único banheiro do parque e que mantém exposições sobre algumas atividades da cidade. É uma trilha fácil – tem apenas 1.500 metros e aproximada­mente 1 hora de duração.

Nos primeiros passos já temos uma vista parcial dos paredões, que ficam à disposição em frente ao mirante. Do alto, observam-se a cachoeira das Andorinhas e o vértice do cânion Itaimbezin­ho.

Serra Geral

Guardar o melhor de uma viagem para o final é sempre mais interessan­te. Por isso, sugiro deixar a visita ao Parque da Serra Geral por último. Do centro de Cambará, são cerca de 40 minutos até o parque. Assim que chegamos, ao descer do carro, avistei ao longe uma montanha com alguns pontinhos no topo. “Sim, é para lá que vamos, onde estão aquelas pessoinhas”, confirmou o guia.

De mochila nas costas e casaco corta-vento, apertei o passo. A primeira aventura era rumo a um caminho simples em direção ao cânion. Logo após o estacionam­ento, à esquerda, a rápida trilha pela vegetação rasteira dá acesso à primeira vista do cânion que faz divisa com Santa Catarina.

Para quem tem problema de mobilidade (ou só preguiça mesmo) é a trilha perfeita. São apenas três quilômetro­s, o que dá, mais ou menos, 1h30 de caminhada rápida e muito simples. Sem falar que a paisagem reserva um momento “uau”.

No meio do caminho surgem montanhas que parecem ter sido cortadas à faca, dispostas lado a lado. Para os corajosos, fotos sobre as pedras da borda rendem imagens lindas. Mas fique atento: os desfiladei­ros não são protegidos e há risco de quedas.

Como já conhecia o cânion, sabia que valia a pena seguir por outra trilha de três quilômetro­s que levaria a uma das paisagens mais bonitas do Brasil. A trilha do Mirante é cansativa e, por vezes, prejudicad­a por causa do vento e da neblina, por isso é sempre mais indicado percorrê-la na parte da manhã.

No dia da minha visita, ofegante, percebi como o coração batia forte enquanto seguia em direção ao pico da montanha. Naquele dia de inverno ensolarado, foi preciso tirar casaco, manta e blusão de lã, agora desnecessá­rios.

Já no topo, recebi a melhor das recompensa­s. Uma vista de 180 graus para o paredão que separa o solo gaúcho do catarinens­e. A paisagem parece se perder pelo horizonte e convida para um momento de silêncio e introspecç­ão, cortado apenas pelo voo dos pássaros que habitam por ali.

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ANELISE ZANONI Horizonte. A imensidão do Cânion Fortaleza, no Parque Nacional da Serra Geral
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FOTOS ANELISE ZANONI Mirante. Pausa para foto no Itaimbezin­ho: vá de manhã para evitar a neblina

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