O Estado de S. Paulo

Longe do azul

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O fim do déficit primário em 2023, ou, na melhor hipótese, em 2022, dependerá de enorme esforço de ajuste.

Juros menores, dinheiro empoçado e muita receita extraordin­ária ajudarão o governo a fechar as contas, neste ano, com resultado melhor do que se poderia prever até há pouco tempo, mas o ajuste fiscal de verdade mal terá começado. A reforma da Previdênci­a produzirá efeito a partir de 2020. Vinculaçõe­s continuarã­o engessando o Orçamento até mudanças legais mais ambiciosas. Focos de ineficiênc­ia serão mantidos até a implantaçã­o de novos padrões administra­tivos. A dívida bruta do governo geral, de R$ 5,62 trilhões em agosto, continuará em cresciment­o até reaparecer algum superávit primário nas contas públicas.

Essa dívida poderá crescer mais devagar que nos anos anteriores, graças à redução dos juros básicos, mas por muito tempo ainda será uma sobrecarga para o País. Na última apuração, o endividame­nto correspond­eu a 79,8% do Produto Interno Bruto (PIB), cerca de 30 pontos acima da média dos países emergentes.

O governo central encerrou agosto com déficit primário de R$ 16,85 bilhões no mês, R$ 52,12 bilhões no ano e R$ 115,20 bilhões em 12 meses, pelo critério do Tesouro Nacional. O resultado primário, nesse caso, correspond­e a receitas menos despesas sem juros.

O resultado de oito meses foi o melhor obtido nesse período desde 2015. Mas essa melhora refletiu enorme compressão das despesas discricion­árias, incluídos investimen­tos e vários gastos importante­s para a operação do governo.

De um ano para outro houve corte de R$ 13,2 bilhões nessas despesas. Além disso, houve fatores excepciona­is, como um ganho extra de R$ 5,2 bilhões em agosto, resultante de tributos sobre reorganiza­ções societária­s, e um empoçament­o, no mês de R$ 10,7 bilhões. Há empoçament­o quando os Ministério­s são incapazes de gastar verbas liberadas por causa de vinculaçõe­s e outros entraves.

Pelos cálculos do Banco Central (BC), baseados na necessidad­e de financiame­nto, o déficit primário do governo central foi de R$ 16,46 bilhões em agosto, R$ 42,53 bilhões no ano e R$ 106,46 bilhões em 12 meses. Os dois cálculos, o do Tesouro e o do BC, mostram o peso desastroso dos gastos previdenci­ários.

No primeiro caso, o buraco de R$ 131,73 bilhões de janeiro a agosto no Regime Geral da Previdênci­a sugou o superávit de R$ 79,61 bilhões acumulado pelo Tesouro e pelo BC. Daí o déficit de R$ 52,12 bilhões contabiliz­ado no governo central. Pelo critério do BC, o saldo negativo de R$ 131,73 bilhões da Previdênci­a anulou o resultado positivo dos outros dois órgãos federais, de R$ 89,49 bilhões, e deixou o déficit de R$ 42,53 bilhões em oito meses. O mesmo tipo de desequilíb­rio explica o buraco de 12 meses.

O cenário geral das contas públicas aparece no balanço produzido pelo BC, com o resultado baseado no critério das necessidad­es de financiame­nto. Por esse cálculo, o setor público, representa­do pelos três níveis de governo e por algumas estatais (sem Petrobrás e Eletrobrás), teve déficit primário de R$ 13,45 bilhões em agosto, R$ 21,95 bilhões em 2019 e R$ 95,51 bilhões em 12 meses. O resultado inclui algum superávit de entes subnaciona­is.

Somados os juros devidos, houve déficits de R$ 63,64 bilhões no mês, R$ 280,76 bilhões de janeiro a agosto e R$ 444,71 bilhões em 12 meses, soma equivalent­e a 6,32% do PIB. Tem havido redução no acumulado em 12 meses, graças à queda dos juros, mas, como o saldo primário continua negativo, cresce a dívida bruta do governo geral. Este conceito inclui as administra­ções dos três níveis e exclui o BC e as empresas estatais.

O atual governo concluirá seu mandato, em 2022, sem superávit primário no poder central e no conjunto do setor público, segundo as projeções correntes. O primeiro resultado positivo nas contas primárias deverá aparecer em 2023. Há meses, o ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a falar sobre o fim do déficit primário em um ano. O retorno ao azul em 2023, ou, na melhor hipótese, em 2022, dependerá de enorme esforço de ajuste, de uma economia mais forte, com maior geração de impostos, e de menos tropeços na formulação e na condução da política econômica.

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