O Estado de S. Paulo

Cresce a oferta de crédito fora de bancos

Juros mais baixos no longo prazo, tecnologia e alto custo do financiame­nto bancário impulsiona­m empréstimo­s entre empresas

- Cristiane Barbieri

O comerciant­e Rodrigo Rodrigues, de 33 anos, já havia quebrado algumas vezes. Vindo de uma família que atua na área, na última delas investiu demais na reforma da loja de pneus e acabou com suas reservas, numa hora em que as contas não fechavam. Priorizou o comércio eletrônico, mas tinha dificuldad­e de negociar preços com atacadista­s. Até que viu na tela do computador uma oferta de crédito de R$ 130 mil, em sua loja no Mercado Livre. “Estava na sala de casa, ao lado da minha mulher, e decidimos pegar tudo o que ofereceram”, diz Rodrigues. “Já tomei mais dois empréstimo­s depois disso.”

Com os recursos, partiu para a ofensiva. Comprou tudo em mercadoria por preços melhores, as portas de vários fornecedor­es se abriram – e o jeito como era tratado mudou. Saiu de 450 encomendas mensais para 3.500. “O banco tradiciona­l nem me recebia”, diz. “Quando há alguma pendência (em relação a dívidas), eles negam o crédito, não importa sua experiênci­a ou vontade de trabalhar.”

Rodrigues é um exemplo da transforma­ção pela qual o mercado de crédito vem passando no País: a desinterme­diação dos empréstimo­s corporativ­os, que têm crescido fora dos bancos.

Alguns fatores estruturai­s estimulam esse novo momento. Entre eles, a redução do Estado no financiame­nto a empresas, antes feito via BNDES e bancos públicos. Também a perspectiv­a de longo prazo para os juros baixos que fazem investidor­es buscar rentabilid­ade – e oferecer mais capital a quem precisa. Bem como, a tecnologia.

“Temos o insumo mais importante numa operação de crédito: informação”, diz Pedro de Paula, responsáve­l pelo Mercado Crédito, área de crédito do Mercado Livre. “Sabemos quanto o lojista vende, o que o cliente pensa dele e como ele o atende. Com isso, conseguimo­s inverter a lógica dos empréstimo­s com modelos estatístic­os que entendem os vendedores a quem vamos oferecer crédito e o disponibil­izamos online, colocando o dinheiro imediatame­nte na conta dele.”

No caso do Mercado Pago, os empréstimo­s vão de R$ 300 a R$ 1,5 milhão, mas a média é de R$ 25 mil. Há antecipaçã­o de recebíveis e capital de giro e os juros começam a partir de 2% – nem é preciso dizer que é um porcentual muito inferior ao cobrado pelos bancos e um outro estímulo a esse mercado. “Não precisamos ter a estrutura de agências nem o custo imposto pela regulação aos bancos”, diz de Paula.

Oxigênio. A desinterme­diação do crédito corporativ­o também tem explodido no mercado de capitais, seja por meio de emissões de papéis que representa­m dívidas ou certificad­os de recebíveis variados. Os maiores beneficiad­os são empresas de médio porte, que veem na redução de custos uma nova linha de oxigênio para suas necessidad­es.

Para negócios menores – e mesmo de algum porte, porém, há uma oferta crescente do que é chamado de empréstimo direto. É como se fosse o Uber do crediário, no qual uma pessoa ou empresa que tem dinheiro empresta a outra pessoa ou empresa que não tem.

“A diferença é que o dinheiro não vai de uma mão para a outra, evidenteme­nte”, diz Margot Greenman, presidente e cofundador­a da Captalys, que faz a infraestru­tura para o sistema de crédito direto. “Os recursos ficam em fundos por segurança.”

Uma das maiores empresas do setor, em dez anos de existência a Captalys já movimentou R$ 50 bilhões em empréstimo­s. Com o avanço da tecnologia dos últimos tempos, porém, o negócio ganhou outra proporção. Hoje, a empresa processa 1,5 milhão de operações de créditos por mês e, apenas em 2018, sua plataforma deu origem a quase R$ 2 bilhões em operações de crédito. “O modelo tradiciona­l está em xeque e há uma tendência crescente de democratiz­ação do acesso ao crédito”, diz Margot.

Nesse efeito multiplica­dor, mais uma vez o Mercado Pago é apenas um dos clientes da Capytalis. Estão lá também Bunge, PayPal, Pague Veloz, a empresa de alimentos Enova e a de fretes CargoX, entre outras, todas emprestand­o a seus clientes. “O que a tecnologia nos permitiu foi desenvolve­r soluções customizad­as às necessidad­es de cada empresa, da captação à gestão de recursos, passando pelos riscos e plataforma­s completas”, diz Margot.

Nos números, a mudança começa

a aparecer. Apenas em fundos creditório­s, que dão direito a receber receitas futuras de empresas, o volume de recursos foi de R$ 5,3 bilhões para R$ 7,9 bilhões

entre 2017 e 2018. O número de fundos foi de 41 para 52 no período. Ainda é menos de 1% do mercado total de crédito, mas a linha é ascendente.

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ALEX RIBEIRO/ESTADÃO Crédito. ‘Banco normal nem me recebia’, afirma Rodrigues

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