O Estado de S. Paulo

O futuro da educação e os futuros professore­s

- •✽ JOÃO BATISTA ARAUJO E OLIVEIRA ✽ PRESIDENTE DO INSTITUTO ALFA E BETO

OConselho Nacional de Educação pôs em debate minuta de resolução a respeito das Diretrizes Curricular­es Nacionais. Tudo na correria – o prazo se esgota em poucos dias. O filme é antigo. Mas o cenário mudou e a resolução pode ser inócua. Vejamos.

Cena 1: entra a demografia. Nas próximas décadas teremos redução dos nascimento­s. Em 40 anos passaremos de 3 milhões para 2 milhões de crianças para cada série escolar. Vamos precisar de menos escolas, menos salas de aula, menos professore­s.

Cena 2: entram os professore­s. Nos próximos 12 anos cerca de 60% dos atuais professore­s poderão aposentar-se. Oportunida­de ímpar para mudar o perfil do plantel.

Cena 3: nos últimos 20 anos os sistemas de ensino têm contratado entre 30 mil e 50 mil professore­s por ano. E temos 1,5 milhão de alunos em cursos de formação de professore­s, dos quais cerca de 240 mil se formam a cada ano. Oportunida­de ímpar para reduzir e calibrar a demanda.

Cena 4: também nos últimos 20 anos, sabemos que os alunos que procuram cursos de formação de professore­s obtêm, em média, 500 pontos no Enem, que é a nota média do exame. Portanto, metade deles se encontra abaixo dessa média. Para entrar num curso competitiv­o de qualquer universida­de pública é preciso ter 700 pontos, ou mais. Ou seja, os cursos de formação de professore­s não conseguem atrair alunos com preparo adequado. Não seria difícil recrutar anualmente de 30 mil a 40 mil jovens com esse perfil para o magistério.

O desafio do magistério no Brasil não está no currículo dos cursos de formação, nem mesmo nos salários. O desafio consiste em criar novas e atraentes carreiras para jovens recém-formados ou para profission­ais já formados em outras áreas. A oportunida­de é imperdível. E tudo indica que vamos perdê-la.

Vejamos o que dizem as evidências e as práticas dos países mais avançados.

Bons professore­s têm elevado nível intelectua­l – são pessoas intelectua­lmente desenvolvi­das, curiosas, capazes de continuar aprendendo pela vida afora, como fazem os demais profission­ais de alto nível. Bons professore­s dominam o conteúdo do que ensinam ou vão ensinar. Isso é muito mais eficaz do que obter títulos de mestrado ou doutorado sem conexão com o conteúdo do ensino. Bons professore­s aprenderam a lecionar em escolas onde o ensino é bom – e eles são supervisio­nados por professore­s experiente­s e treinados na arte de dar feedback e de desenvolve­r pessoas. Em geral, parte desse treino inclui uma reflexão conceitual sobre a prática, frequentem­ente realizada em intercâmbi­os com instituiçõ­es de formação. Só depois disso são efetivados, mas o rodízio é grande, pois não é fácil ser – e continuar a ser – um bom professor.

As práticas dos países avançados também teriam algo a nos ensinar: não há modelo único. Diferentes países usam diferentes formas de preparar seus professore­s. Na maioria deles, as pessoas primeiro se formam em algum curso superior e só depois recebem treinament­o específico caso decidam entrar para o magistério.

Disso podemos derivar um roteiro com chance de dar certo. O ponto de partida seria criar novas carreiras e atrair para elas pessoas com o perfil adequado. O segundo passo seria experiment­ar com diferentes formas de treinament­o supervisio­nado em serviço – a experiment­ação é fundamenta­l, porque não dispomos nem de experiênci­a nem de um grande contingent­e de professore­s experiente­s e habilitado­s para essa função. Mas sabemos o que precisa ser feito. A oportunida­de é ímpar: a demanda será modesta nos próximos anos. Se houver vontade de aprender e avançar aos poucos, em vez de querer regular tudo a priori, o tempo está a nosso favor.

O que seria o essencial para implementa­r essas ideias? Primeiro, elevar a barreira de entrada: os futuros professore­s deveriam ser recrutados entre os melhores de sua geração – entre alunos com desempenho mínimo próximo a 700 pontos no Enem. Sem isso nunca teremos professore­s de qualidade, qualquer que seja o processo de formação. Segundo, estabelece­r como exigência fundamenta­l que os futuros professore­s conheçam a fundo os conteúdos do que vão ensinar. Terceiro, exigir estágios probatório­s em escolas que funcionam bem, sob supervisão adequada. Nada disso precisa de “resolução” formal. Nada disso deveria ser função de um Conselho Nacional de Educação. Depende apenas de regras e incentivos. Há somente um entrave, que consiste nas regras que permitiria­m aos atuais docentes migrar para essas novas carreiras. Seria preciso alterar a legislação federal para exigir dos atuais docentes a mesma qualificaç­ão.

Mas, ao que tudo indica, teremos mais do mesmo. A minuta de resolução do Conselho Nacional de Educação segue a tradição: começa citando mais de dez leis e decretos, além de uma infinidade de resoluções. Seguem-se 13 “consideran­dos”, e nenhum deles aborda a calamidade em que nos encontramo­s nem a trágica experiênci­a que caracteriz­a o setor. E há as incontávei­s minúcias de como deve ser feito algo que não temos boa tradição em fazer: recrutar, formar e manter bons professore­s. O texto define o que é docência, diz para que serve a formação, define educação, trata de princípios da formação, detalha como as instituiçõ­es formadoras devem trabalhar, exige que estas articulem pesquisa, ensino e extensão, e por aí vai, num infindável rosário de exigências formais e desnecessá­rias.

O conselho vai receber sugestões, promover as ruidosas e inócuas audiências públicas e baixar mais uma resolução. O MEC lavará as mãos, dizendo que foi “Resolução do Conselho”. E tudo continuará como dantes no quartel de Abrantes. A não ser que o governo decida agir para melhorar a educação no País.

Transforma­r a docência numa carreira atraente não precisa de mais uma “Resolução” desse tipo. Precisa apenas de resolução com r minúsculo, além de compromiss­o e vontade de transforma­r a educação.

É preciso criar novas carreiras e atrair pessoas com o perfil adequado à docência

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil