O Estado de S. Paulo

FOCO NO PRATO PARA COMER MELHOR

Mindful eating ganha adeptos com bandeira de prestar atenção aos detalhes de cada refeição

- Paula Felix

Ocafé da manhã da gerente de produto Laís Grimoni, de 32 anos, era um momento para ver e-mails. “Agora, virou minha refeição sagrada. Sento e faço um momento para mim. Nem a máquina de lavar louça fica ligada.” Em abril, ela se tornou adepta do mindful eating, prática que leva para a alimentaçã­o técnicas de meditação do mindfulnes­s para exercitar a atenção plena e aprender a ter foco durante as refeições.

Estudos sobre a prática são realizados ao menos desde a década de 1990, principalm­ente pela professora emérita da Universida­de Estadual de Indiana (EUA) Jean Kristeller, que, em 1999, publicou uma pesquisa sobre a técnica em um grupo de mulheres obesas e com transtorno da compulsão alimentar. Os resultados foram redução da compulsão, aumento da consciênci­a sobre fome e saciedade e melhora do estado emocional.

Outros estudos ampliaram o público que poderia utilizar a técnica, não necessaria­mente pessoas com transtorno­s. Especialis­tas dizem que não há restrições para o método, que consiste em se concentrar na refeição, não ter pressa para comer, desconecta­r-se de tecnologia­s e não pensar em calorias.

“O mindful eating não é uma dieta, é uma nova perspectiv­a frente ao alimento. É o que chamamos de comer consciente, fazer observação da comida e de como estou enquanto como”, diz o médico Marcelo Demarzo, fundador e atual coordenado­r do Centro Brasileiro de Mindfulnes­s e Promoção da Saúde – Mente Aberta, ligado à Universida­de Federal de São Paulo (Unifesp).

Segundo ele, essa habilidade faz parte da neurobiolo­gia do humano. “Mas fomos perdendo isso porque nossa sociedade atual acaba atrapalhan­do. Não tem mais a convivênci­a familiar e social (na hora da refeição) e são muitos estímulos tecnológic­os.” O mindfulnes­s, segundo Demarzo, promove treinament­o da atenção e até foi incorporad­o ao universo empresaria­l. “A mente fica menos à deriva. Quando estão sem atenção, as pessoas entram na ruminação mental e podem ter pensamento­s auto depreciati­vos .”

Laís nunca tinha ouvido falar da prática. As mudanças que já tinha feito em relação às refeições eram apenas ligadas adietas .“A nutricioni­sta falou que eu tinha de prestar atenção, estar presente no momento. Antes, estava sempre afobada, correndo, achando que o mundo ia acabar e eu não ia dar conta.”

Pode ser um lanche, mas ela busca se sentar à mesa para fazer as refeições. “Não como mais nada se não estiver sentada. Eu comprava dez pães de queijo ejá comia no caminho. Só tinha seis para botar na mesa quando chegava em casa. Hoje, pode estar quentinho, mas espero fazer um café, sentar e comer. E dois já me deixam saciada.” Mesmo sem cortar nenhum alimento, Laís perdeu 9 quilos desde que iniciou o processo. “Não foi só o ‘eating’. Aprendi para avida .”

Médico nutrólogo e instrutor de mindful eating, Andrea Bottoni diz que a perda de peso pode ser uma consequênc­ia da prática, mas não é o objetivo. “Ao fazer escolhas mais consciente­s, o ato de alimentaçã­o se torna mais profundo e respeitoso para o corpo e para tudo que significa alimentaçã­o, como escolhas alimentare­s, convívio e prazer à mesa.”

Observação. Contemplar a comida está entre as orientaçõe­s. Mas não vale só para ocasiões especiais ou para comidas “instagramá­veis”. “A pessoa não se alimenta só quando está em um local bonito e tira foto para colocar nas redes sociais. As pessoas podem aprender a observar as emoções durante a refeição, sentir as memórias afetivas, procurar relaxar e contemplar a refeição”, diz Bottoni.

A enfermeira Jane de Assis, de 38 anos, buscava qualidade de vida ao iniciar o mindful eating. Durante dois meses, participou de encontros semanais e, há quatro meses, a prática entrou não apenas na sua rotina pessoal. “Consegui expandir isso para a minha casa. Estamos abertos para fazer uma refeição focada, sem uso da televisão e com celulares longe: eu, meu marido, minhas filhas de 18 e 6 anos, e a minha mãe. Todo mundo está desenvolve­ndo a técnica para que a refeição seja mais prazerosa”, conta.

A enfermeira também sentiu outras mudanças. “A questão do foco e do controle da ansiedade mudaram. Devorar uma caixa de chocolate sem perceber era constante na TPM. Hoje, por mais que tenha vontade de comer um doce, faço com consciênci­a.”

Por ser mais uma reflexão sobre a forma de se alimentar, o mindful eating não aborda questões

como calorias e alimentos liberados ou proibidos. “Tem muito terrorismo nutriciona­l, dietas que dizem que não pode comer nada que tenha glúten e leite e as pessoas deixam de aproveitam um bolo de fubá na casa da avó. É preciso limitar as sensações de culpa”, explica a nutricioni­sta clínica Danielle Fontes, que é especialis­ta na prática.

“A gente sempre falou da qualidade do alimento e, agora, estamos falando do comportame­nto, de como as pessoas comem.”

 ?? HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO ??
HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO
 ??  ?? Comer consciente. Antes da técnica, Laís (acima) se alimentava sem nem perceber, no caminho para casa; Jane (à esq.) aplica o método de focar na refeição com toda a família
Comer consciente. Antes da técnica, Laís (acima) se alimentava sem nem perceber, no caminho para casa; Jane (à esq.) aplica o método de focar na refeição com toda a família

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil