O Estado de S. Paulo

Colômbia caliente

Cartagena tem calor, casario histórico e rica identidade cultural.

- Priscila Mengue CARTAGENA DAS ÍNDIAS

Já era noite quando, ao descer do avião, veio a confirmaçã­o do que todos ouvem antes de por lá chegar: o calor caribenho. Pego a bagagem, faço um câmbio rápido, entro no táxi. Mas nem dá tempo de se ambientar ao espanhol do motorista, pois em minutos já estamos diante da muralha e, a partir daí, já me sinto quase uma personagem terciária de algum romance de Gabriel García Márquez.

Levei 28 anos para conhecer Cartagena das Índias. Os motivos envolvem dinheiro, tempo e um receio do “hype” que tomou a cidade (e a Colômbia) nos últimos anos. Não estava totalmente errada: turistas estão aos montes e, junto deles, muitos vendedores. Tudo isso debaixo de um sol forte e umidade intensa, que tornam suar um ato onipresent­e e inevitável – mesmo no inverno. E sabe do que mais? Vale muito a pena.

Cartagena expõe três das facetas que mais me foram evidentes no território colombiano: a história, a cultura e a natureza. A quarta é a renovação urbana, elemento central do breve período em que estive em Medellín – o segundo destino dessa viagem de 15 dias, que ainda passou pela capital Bogotá.

García Márquez é a primeira referência que sempre tive de Cartagena, embora não me debruce sobre um livro seu há uns 10 anos. Imaginei que a presença dele fosse evidente ao menos na parte histórica da cidade, mas não: as referência­s são sutis e encontrá-las requer até certo esforço (que já adianto ser recompensa­do).

Esse estranhame­nto se torna ainda mais impression­ante porque Cartagena tem muitas opções de passeios guiados. A temática até varia pouco, entre histórica, fotográfic­a e gastronômi­ca, mas os meios de locomoção vão do andar a pé a de charrete, scooter, bicicleta ou mesmo segway (aquele diciclo utilizado por seguranças de shopping).

Quase todos os tours saem das proximidad­es da Torre do Relógio, principal ponto de referência da cidade amuralhada, no centro histórico e turístico de Cartagena. Optei por um walking tour, aqueles tradiciona­is tours a pé das grandes cidades. Mas o roteiro fez questão de girar por pontos manjados e não lá tão interessan­tes para não gringos, como uma calçada com fotos de misses e uma loja de esmeraldas. Acontece.

O passeio de verdade começou depois do tour, ao entrar nas igrejas e me perder proposital­mente pelas tantas ruas de casarões coloridos. Naquele momento eu ainda não sabia, mas dias depois tive de me conformar: não, eu não conseguiri­a percorrer todas aquelas quadras, embora tenha passado dezenas de vezes pela Torre do Relógio.

Entre muros. A cidade amuralhada não só é maior do que eu esperava, mas também melhor conservada. Construída­s ao longo de dois séculos e concluída em 1796, as muralhas se estendem ao longo de 11 quilômetro­s. Não precisa procurar um lugar bonito para admirar ou tirar uma foto: praticamen­te todos os cantos nessa região são assim.

E, aqui, vale o alerta: use filtro solar. E também use chapéu, beba muita água e, acredite em mim, escolha uma hospedagem dentro da cidade amuralhada. Além de todo o encantamen­to de estar perto de tudo o tempo todo, tem outra vantagem: é um refúgio para fazer pequenos intervalos do calorão (e também uma forma de evitar pegar muitos táxis).

Cheguei a Bogotá no início da manhã de um domingo. Conforme nos aproximáva­mos do centro, surgiam construçõe­s antigas e museus, especialme­nte na parcela mais boêmia e gastronômi­ca: La Candelaria.

O movimento na cidade ainda era silencioso quando deixei a bagagem e fui em direção ao Cerro de Monserrate. Caminhei algumas quadras até o pé do morro ainda cedinho, na intenção de evitar filas, mas me enganei: dezenas e dezenas de pessoas se alongavam para encarar a subida a pé às 7 horas da manhã, enquanto outras tantas aguardavam o funicular (o teleférico não funcionou naquele dia). Peguei a fila, paguei pouco mais de R$ 15 pelo trajeto ida e volta (nos demais dias custa R$ 25) e, uns 30 minutos depois, subi.

Se Bogotá fica a 2.600 metros acima do nível do mar, Monserrate adiciona mais 550 metros a essa conta. No topo, um santuário católico divide a atenção dos visitantes, que estão atrás também das opções gastronômi­cas da feirinha e da vista.

Pelo centro. Visitado Monserrate, chegou a vez do centro. Aliás, se você tiver poucos dias na cidade, tenho três conselhos: vá à Candelaria, caminhe pela Candelaria e se hospede na Candelaria. Como toda metrópole, Bogotá tem várias caras e lugares para se conhecer. Mas é nesse bairro que estão reunidos os principais elementos que definem a cidade: a história, a cultura, as manifestaç­ões políticas, a gastronomi­a, as pessoas.

A Candelaria também é a parte mais turística e boêmia do centro, junto de Chapinero (a Pinheiros dos bogotenhos). Dito isso, não esqueça das outras partes do centro, como Santa Fe. Uma das coisas que mais me marcaram em Bogotá é que os moradores também vivem o centro. As ruas são cheias de artistas, especialme­nte na Carrera Séptima, uma versão colombiana do que é a Paulista Aberta em São Paulo. É perto da via que estão as sedes do legislativ­o e judiciário, além de algumas das igrejas mais bonitas. Para visitar a sede do governo, a Casa Nariño, é preciso agendar com algumas semanas de antecedênc­ia.

Ouro e arte nos museus. Também é por ali que estão alguns dos principais museus da cidade. Um dos mais famosos é o Museo del Oro, que tem entrada gratuita aos domingos (nos outros dias, R$ 5). Ali estão centenas de peças em ouro feitas por povos pré-colombiano­s, além de outros tipos de artesanato­s, incluindo estátuas de San Agustín (considerad­as patrimônio da humanidade pela Unesco).

Quer mais museu? Vá ao complexo de antigos casarões que reúne os Museus Botero e de Arte Miguel Urrutia, que ficam junto da Casa da Moeda. São milhares de obras expostas simultanea­mente em um passeio que leva, no mínimo, um turno – e tudo de graça, com possibilid­ade de fazer visitas guiadas . O mais tradiciona­l teatro da cidade (o Colón) fica na frente, mas tem poucos horários de visita (quartas e quintas, 15h, e nos sábados).

Mais Botero. Dos três museus, o mais procurado é o Botero, que reúne 123 obras próprias do artista colombiano, entre pinturas, desenhos e esculturas, incluindo sua famosa versão da

Monalisa. E aqui vale uma breve explicação: o artista brinca com as dimensões e volumes nas pinturas, misturando objetos e pessoas com tamanhos variados, criando um contraste entre as formas. O espaço reúne ainda 85 obras de artistas diversos que integravam a coleção pessoal de Botero, de autores como Salvador Dalí.

Sua arte também está no Museu Miguel Urrutia, que traz o que seria a primeira obra em que Botero explorou a técnica de volumes (na pintura de um violão). A grande atração da instituiçã­o é, contudo, La Lechuga, um ostensório católico repleto de esmeraldas e pedras preciosas.

Outro museu interessan­te é o Nacional. Criado em 1823, tem um acervo etnográfic­o, histórico, arqueológi­co e artístico com cerca de 2.500 peças de momentos variados da trajetória do país, desde o período pré-colombiano até (olha ele de novo) Fernando Botero. Um adendo, porém: parte das obras de Botero ali presentes é anterior ao estilo que lhe ficou caracterís­tico. Ingresso R$ 5.

Ainda pelo centro, há uma série de tours guiados com temática histórica ou especializ­ados em grafite (que se multiplica­m na parte alta da Candelaria). Optei pelo realizado pela Prefeitura de Bogotá, realmente gratuito (não adianta tentar, os guias não podem receber gorjeta) e circula por grande parte da área central. As saídas são da praça principal às 10h, 12h, 14h e 16h. Quem preferir andar por conta, não esqueça de entrar nas muitas (muitas mesmo) belas igrejas.

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PRISCILA MENGUE/ESTADÃO Sol a pino. Contemplar o casario no centro exige paradas para se refrescar
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Onipresent­e. Versão de ‘Monalisa’, ícone do Museu Botero

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