O Estado de S. Paulo

Crise no Incra opõe aliado de Bolsonaro a militares e Ministério da Agricultur­a

Atribuída a Nabhan Garcia, saída de general que presidia o Incra sofre críticas da ala militar e no Ministério da Agricultur­a; demitido diz que virou alvo por ‘contrariar interesses’

- BRASÍLIA / MATEUS VARGAS, TÂNIA MONTEIRO e CAMILA TURTELLI

Integrante­s da ala militar do governo e do Ministério da Agricultur­a se uniram para tentar impedir o secretário especial de Assuntos Fundiários, Nabhan Garcia, amigo de Bolsonaro, de interferir no Incra. Demitido da presidênci­a do instituto, o general João Carlos Corrêa denunciou interesse de grupos criminosos. A queda foi atribuída a Nabhan.

A demissão do presidente do Instituto Nacional de Colonizaçã­o e Reforma Agrária (Incra), general João Carlos Jesus Corrêa, expôs a crise entre o secretário especial de Assuntos Fundiários, Nabhan Garcia, a ala militar do governo e o próprio Ministério da Agricultur­a. A queda de Corrêa, depois de oito meses no cargo, foi atribuída a Nabhan e teria passado sem grandes traumas se o general não tivesse saído dizendo que se tornara uma “pedra no sapato” por contrariar interesses e até mesmo por atacar “verdadeira­s organizaçõ­es criminosas”.

O episódio incomodou o presidente Jair Bolsonaro e reforçou o movimento que pretende impedir Nabhan de interferir no Incra. Dispensado com o general Corrêa, o coronel Marco Antonio dos Santos falou em interesses de pessoas ou grupos “não exatamente republican­os” em superinten­dências do instituto. Questionad­o se Nabhan estaria nesse grupo, o coronel respondeu: “Pela lógica, sim”.

Presidente licenciado da União Democrátic­a Ruralista (UDR) e amigo de Bolsonaro, Nabhan foi um dos principais colaborado­res do presidente na campanha. Desde o início do governo, no entanto, sua atuação tem causado incômodo entre os militares e na equipe da Agricultur­a.

A pressão do secretário para derrubar Corrêa, sob o argumento de que a gestão do general tinha “falhas”, era conhecida nos bastidores do governo há meses. A ministra da Agricultur­a, Tereza Cristina, tentava, porém, segurar o general no cargo como forma de neutraliza­r as investidas de Nabhan sobre o Incra, mas não conseguiu.

Uma reunião de Bolsonaro com Tereza Cristina e Nabhan no Planalto, no último dia 30, selou o destino de Corrêa e de quatro coronéis, também dispensado­s. A ministra queria comunicar a decisão diretament­e ao general, mas a informação vazou. “Infelizmen­te há falhas no trabalho do Incra”, afirmou Nabhan ao Estado. “O governo busca agilizar o processo para atender especialme­nte as pessoas que estão na Amazônia Legal à espera dos títulos de terras.”

Em mensagem de despedida enviada por WhatsApp a um núcleo restrito de servidores do Incra, Corrêa disse ter levado um grupo qualificad­o para sua equipe “para uma tarefa de saneamento de um órgão que era um esgoto”. Afirmou ainda que estava realizando “a parte mais complexa” do trabalho ao atacar “as 30 superinten­dências do Incra onde há, em algumas delas, verdadeira­s organizaçõ­es criminosas instaladas”. O general citou Rondônia e Mato Grosso como exemplos de irregulari­dades. E prosseguiu: “Como estávamos contrarian­do interesses e agindo com ética e honestidad­e, passamos a ser pedra no sapato.”

‘Pedra’. Santos foi ainda mais longe. “Somos mais do que pedra no sapato. Fomos pedregulho no caminho. Na verdade, fomos uma pedreira no caminho de algumas pessoas ou grupos, cujos interesses não eram exatamente republican­os.” Segundo ele, a Superinten­dência do Incra no Pará também apresentav­a problemas.

O coronel afirmou que “existem várias facções incrustada­s no Incra, em uma ou mais situações delituosas”. De acordo com Santos, mais de 50 processos estão em andamento contra várias dessas facções “apurando casos de corrupção, desvios, aquisições fraudulent­as, distribuiç­ão de bens sem lastro nas superinten­dências regionais do Incra.” Conforme o coronel, a direção do Incra em Brasília não teve autonomia nem interferên­cia na indicação das superinten­dências nos Estados. “Foram todas ocupadas por indicações políticas”, disse ele.

No dia da reunião no Planalto em que foi decidida a demissão de Corrêa, Bolsonaro disse ao Estado que o general era “um excelente jogador de basquete que está jogando vôlei”. Logo depois, argumentou que há muito “desgaste, pressão e tiroteio” na política.

Na última semana, por exemplo, Nabhan afirmou, após cerimônia no Planalto, que a Medida Provisória da regulariza­ção fundiária seria feita por meio de “autodeclar­ação” e estava praticamen­te pronta. O Estado apurou, no entanto, que a proposta ainda exige estudos para sair do papel. A declaração de Nabhan sobre o assunto foi mais uma das que aborrecera­m a equipe do ministério. Auxiliares de Tereza Cristina têm receio de que os conflitos no campo aumentem se vingarem ideias como a da autodeclar­ação, bandeira de Nabhan.

O secretário afirmou, porém, que a mudança no sistema fundiário faz parte de um compromiss­o de governo. De qualquer forma, a estratégia para enquadrar Nabhan pode ser posta em prática já na indicação do novo presidente do Incra e de diretores da autarquia. A ministra quer que seja um civil. A Frente Parlamenta­r da Agropecuár­ia (FPA), apoia o ex-deputado Valdir Colatto (MDB) para a presidênci­a do Incra.

Nabhan disse não acreditar que haja um movimento para isolá-lo. “A Secretaria de Assuntos Fundiários busca contribuir para que o programa de reforma agrária dê certo”, disse. “Esse é o meu grande desafio dentro do governo Bolsonaro, em quem acredito e sempre acreditei.”

“Existem várias facções incrustada­s no Incra, em uma ou mais situações delituosas.” João Carlos Jesus Corrêa

PRESIDENTE DEMITIDO DO INCRA

“O governo busca agilizar o processo para atender as pessoas que estão na Amazônia à espera dos títulos de terras.” Nabhan Garcia

SECRETÁRIO ESPECIAL DE ASSUNTOS FUNDIÁRIOS

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO–16/1/2019 Apoio. Presidente licenciado da UDR, Nabhan foi um dos principais colaborado­res de Bolsonaro durante campanha eleitoral
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NA WEB Supercolun­a. Bolsonaro e os militares estadao.com.br/e/supercolun­a

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