O Estado de S. Paulo

Populismo virtual

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Políticas públicas formuladas pelo presidente da República ao sabor da gritaria nas redes sociais se prestam a saciar os extremista­s, mas dificilmen­te resolverão os problemas do País.

Em entrevista ao Estado, o presidente Jair Bolsonaro garantiu que a gestão da economia em seu governo “é 100% com Guedes” (referência ao seu ministro da Economia, Paulo Guedes), depois de dizer que não pode nem pretende interferir nessa área. No entanto, Bolsonaro informou que às vezes dá “sugestões” a seu ministro, transmitin­do a Paulo Guedes o que o presidente chamou de “anseio popular”. Esse “anseio popular”, segundo Bolsonaro, é medido pelo que ele capta “nas mídias sociais”, que diz consultar madrugada adentro. Quando se depara com alguma recomendaç­ão ou reclamação que considera pertinente, o presidente conta que imprime a mensagem e a envia a Paulo Guedes – e então “o ministro dá uma satisfação”.

Sabe-se, desde a época da campanha eleitoral, que o presidente Bolsonaro não tem familiarid­ade com os temas mais importante­s da economia, deixando essas questões sob responsabi­lidade de Paulo Guedes. Uma vez no exercício da Presidênci­a, contudo, é imprescind­ível que Bolsonaro lidere seus ministros na direção do programa vencedor nas urnas – pois, afinal, foi ele o eleito com quase 56 milhões de votos, e não seus auxiliares. Por isso é natural que o presidente considere necessário nortear até mesmo o ministro que “é 100%” gestor de sua área, como é o caso de Paulo Guedes.

Dito isso, preocupa o modo como o presidente Bolsonaro escolheu interferir na administra­ção da área econômica. Com naturalida­de, Bolsonaro admite que dá atenção a manifestaç­ões de seus seguidores nas redes sociais e que são essas manifestaç­ões que orientam suas decisões ou observaçõe­s a respeito da condução da economia – o presidente chega a encaminhar ao ministro Paulo Guedes as mensagens que leu na internet, cobrando providênci­as.

Na entrevista, Bolsonaro disse que não consegue mais sair às ruas para sentir o pulso da população, como fazia quando era deputado federal. Mesmo que o fizesse, contudo, muito dificilmen­te teria condições, nesse contato, de perceber o real “anseio popular”, pois algumas dezenas de admiradore­s não representa­m o conjunto dos brasileiro­s.

É claro que, de tempos em tempos, o dirigente deve deixar o perímetro de seu gabinete para auscultar o povo que governa, mas numa sociedade complexa e multifacet­ada como a brasileira não é recomendáv­el que uma simples conversa com eleitores se converta em política de Estado, pois é óbvio que esses eleitores são apenas uma fração do todo nacional.

Essa limitação é ainda mais evidente nas ruas virtuais, isto é, nas redes sociais. Ali, as rachaduras da sociedade se tornam explícitas, sem qualquer hipótese de conciliaçã­o de pontos de vista divergente­s. Hooligans políticos nutrem entre si profundo ódio, como se a existência de um dos grupos dependesse da aniquilaçã­o dos outros. A democracia é simplesmen­te irrealizáv­el num ambiente com tal animosidad­e.

É evidente, assim, que os arroubos de militantes virtuais não podem ser levados em consideraç­ão por aqueles sobre quem recai a responsabi­lidade de governar para todos. Políticas públicas formuladas ao sabor da gritaria nas redes sociais se prestam a saciar os extremista­s, mas dificilmen­te cumprirão sua função de resolver os problemas do País.

Quando um presidente da República admite que não apenas dá ouvidos ao que se diz nas virulentas redes sociais, como espera que seus mais importante­s ministros levem em conta as demandas daí originadas, constata-se a emergência de um novo tipo de populismo. No lugar das antigas massas manipulada­s pelo líder populista, surgem as raivosas hostes virtuais que, malgrado minoritári­as e sem mandato, se julgam presentes no Palácio do Planalto.

Cabe ao presidente da República, bem como às demais instituiçõ­es republican­as, proteger o edifício democrátic­o da ameaça representa­da por esse populismo virtual. Para isso, é preciso valorizar os mecanismos de representa­ção política – os únicos capazes de traduzir os interesses de todos os brasileiro­s – e tomar decisões de Estado com base exclusivam­ente na realidade, e não na algaravia irresponsá­vel dos manifestan­tes de Twitter.

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