O Estado de S. Paulo

Papa critica ideologias na abertura do sínodo

Na abertura do sínodo, Francisco diz que não se pode ‘domesticar os povos nativos’

- Edison Veiga ESPECIAL PARA O ESTADO/VATICANO COLABOROU RENATA OKUMURA

No discurso de abertura dos trabalhos do Sínodo dos Bispos Sobre a Amazônia, na manhã de ontem, o papa Francisco recordou o passado em que a Igreja Católica procurou catequizar povos indígenas, cobrou respeito às diferentes culturas e afirmou que “as ideologias são uma arma perigosa”.

Para o pontífice, colonizaçõ­es ideológica­s “destroem ou reduzem as idiossincr­asias das pessoas” e esse tipo de conduta é um risco, pois não se pode “domesticar os povos nativos”. Francisco fez um mea-culpa, afirmando que a própria Igreja, quando se esqueceu disso, acabou por “menospreza­r” povos e culturas. “(As ideologias) são redutivas e nos levam ao exagero em nossa pretensão de entender intelectua­lmente, mas sem aceitar, entender sem admirar, receber a realidade em categorias, em ‘ismos’”, disse o pontífice. Francisco afirmou que é preciso abordar os povos amazônicos “respeitand­o sua história, suas culturas, seu estilo de vida”. “Porque todos os povos têm a própria sabedoria, autoconsci­ência, os povos têm sentimento, uma maneira de ver a realidade, uma história, e tendem a ser protagonis­tas de suas histórias com essas qualidades”, disse.

O papa destacou que o encontro dos religiosos no Vaticano tem quatro dimensões: pastoral, cultural, social e ecológica. “A dimensão pastoral é o essencial, que abrange tudo. Nos aproximamo­s com um coração cristão e vemos a realidade da Amazônia com os olhos de um discípulo para entendê-la e interpretá-la com os olhos de um discípulo.”

Para especialis­tas em Igreja, foi um recado geral. “É uma crítica para qualquer pessoa que queira fazer discurso fortemente ideológico”, analisa Francisco Borba, coordenado­r do Núcleo de Fé e Cultura da Pontifícia Universida­de Católica de São Paulo (PUC-SP). “Ideologia é uma palavra multifacet­ada, tendo aspecto positivo ou negativo. O papa parece estar se referindo à segunda maneira de expressar a palavra, no sentido de redução e manipulaçã­o”, analisa o professor Fernando Altemeyer Júnior, teólogo e chefe do Departamen­to de Ciência da Religião da PUC-SP.

Ameaça. Ainda na abertura dos trabalhos, o cardeal brasileiro d. Cláudio Hummes, relatorger­al do encontro, afirmou que “a vida na Amazônia talvez nunca tenha estado tão ameaçada como hoje”. Em discurso aos padres sinodais, o religioso destacou que a floresta corre riscos “pela destruição e exploração ambiental, pela violação sistemátic­a de direitos humanos elementare­s da população, de modo especial a violação dos direitos dos povos indígenas, como o direito ao território, à autodeterm­inação, à demarcação de território­s e à consulta e ao consentime­nto prévios”.

E lembrou que o papa Francisco constantem­ente pede uma Igreja que vá ao encontro das questões urgentes, que esteja “em saída”. “Não uma Igreja cerrada em si mesma, mas integrada na história e na realidade do território – no caso, a Amazônia –, atenta aos gritos de socorro e às aspirações da população e da ‘casa comum’, aberta ao diálogo”, disse o cardeal brasileiro.

‘Ocorre no planeta uma devastação, depredação e degradação galopante dos recursos da terra, promovidas por um paradigma tecnocráti­co globalizad­o, predatório e devastador’ Dom Cláudio Hummes

CARDEAL BRASILEIRO

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ANDREAS SOLARO/AFP Acolhiment­o. No início, d. Cláudio disse que área ‘talvez nunca tenha estado tão ameaçada’

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