O Estado de S. Paulo

Justiça manda Ancine retomar filmes LGBT

Juíza da 11ª Vara Federal do Rio vê ‘prejuízo à liberdade de expressão’ e restabelec­e edital suspenso por ministro

- Luiz Vassallo, Pedro Prata e Fausto Macedo

A juíza Laura Bastos de Carvalho, da 11.ª Vara Federal do Rio, determinou a suspensão de portaria do ministro da Cidadania, Osmar Terra, e mandou restabelec­er edital para projetos audiovisua­is a serem veiculados em TVs Públicas. O governo havia freado o projeto de estímulo a filmes com temática LGBT.

A decisão acolhe pedido liminar do Ministério Público Federal (MPF), que acusa o chefe da pasta de barrar a efetivação do edital por “inequívoca discrimina­ção por orientação sexual e identidade de gênero”. Na ação, o MPF pede a condenação de Terra à perda de função pública, cassação dos direitos políticos, além de multa de R$ 1,7 milhão.

“O perigo na demora, referente ao caso posto nos presentes autos, traduz-se na possibilid­ade de que as obras selecionad­as sejam inviabiliz­adas pela suspensão do certame, por até um ano. A falta de recursos para a sua concretiza­ção em um tempo razoável pode fazer com que tais projetos nunca saiam do papel, em evidente prejuízo à cultura nacional e à liberdade de expressão”, anotou a juíza.

A magistrada ainda diz que, não fosse isso o bastante, já foram transferid­os ao BNDES e ao BRDE (Banco de Desenvolvi­mento da Região Sul) R$ 525 mil, “a título de gestão financeira, havendo, ainda, o risco de vencimento de novas parcelas, em decorrênci­a da indefiniçã­o do certame, conforme depoimento do ex-secretário especial de Cultura”. “Conclui-se, então, que a demora na finalizaçã­o do concurso poderá, também, trazer prejuízos ao Erário.”

A Procurador­ia cita que em agosto o presidente Jair Bolsonaro fez uma transmissã­o em vídeo em suas redes sociais, em que dizia: “Fomos garimpar na Ancine filmes que estavam já prontos para serem captados recursos no mercado. Olha o nome de alguns, são dezenas. O nome e o tema. Já que você falou no Ceará, com todo respeito ao Ceará. Um dos filmes aqui chama ‘Transversa­is’. Olha o tema: sonhos e realizaçõe­s de cinco pessoas transgêner­os que moram no Ceará. (…) Então o filme é este daqui, conseguimo­s abortar essa missão aqui”.

Os projetos seriam financiado­s pelo Programa de Apoio ao Desenvolvi­mento do Audiovisua­l Brasileiro (Prodav), com recursos do Fundo Setorial do Audiovisua­l (FSA).

De acordo com a Procurador­ia, “as propostas menospreza­das pela declaração presidenci­al eram quatro de 289 projetos ‘classifica­dos para decisão de investimen­to’, isto é, que estavam aptos a receber recursos do FSA para a produção das obras audiovisua­is”.

Os procurador­es ressaltam que “nos termos da regra posta no edital regulador do certame o Ministro da Cidadania ou o Secretário Nacional de Cultura, enquanto órgãos de direção superior, não participav­am de modo nenhum no processo de seleção dos projetos”.

“Verifica-se, deste modo, que para atender à vontade pessoal do Presidente da República, qual seja, a de ‘abortar’ produções relacionad­as à temática LGBT, o Requerido prejudicou todos os produtores que, de boa-fé, dedicaram-se a concorrer”, afirma a Procurador­ia. A ação ainda lembra que a homofobia foi criminaliz­ada pelo “STF há menos de quatro meses”.

Procurado ontem, o Ministério da Cidadania não comentou a decisão. Na quarta-feira, 2, quando o MPF acionou o governo, a pasta disse que “o edital suspenso não foi discutido por este governo”. “Por se tratar de recursos públicos – R$ 70 milhões – que financiari­am séries para serem exibidas em TVs públicas, este governo resolveu suspender com a intenção de analisar os critérios de sua formulação. O próprio edital previa a possibilid­ade de suspensão ou anulação”, informou a pasta, na ocasião.

‘Para atender à vontade do Presidente, de ‘abortar’ produções relacionad­as à temática LGBT, o requerido prejudicou os produtores’ Laura Bastos de Carvalho JUÍZA

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