Justiça manda Ancine retomar filmes LGBT
Juíza da 11ª Vara Federal do Rio vê ‘prejuízo à liberdade de expressão’ e restabelece edital suspenso por ministro
A juíza Laura Bastos de Carvalho, da 11.ª Vara Federal do Rio, determinou a suspensão de portaria do ministro da Cidadania, Osmar Terra, e mandou restabelecer edital para projetos audiovisuais a serem veiculados em TVs Públicas. O governo havia freado o projeto de estímulo a filmes com temática LGBT.
A decisão acolhe pedido liminar do Ministério Público Federal (MPF), que acusa o chefe da pasta de barrar a efetivação do edital por “inequívoca discriminação por orientação sexual e identidade de gênero”. Na ação, o MPF pede a condenação de Terra à perda de função pública, cassação dos direitos políticos, além de multa de R$ 1,7 milhão.
“O perigo na demora, referente ao caso posto nos presentes autos, traduz-se na possibilidade de que as obras selecionadas sejam inviabilizadas pela suspensão do certame, por até um ano. A falta de recursos para a sua concretização em um tempo razoável pode fazer com que tais projetos nunca saiam do papel, em evidente prejuízo à cultura nacional e à liberdade de expressão”, anotou a juíza.
A magistrada ainda diz que, não fosse isso o bastante, já foram transferidos ao BNDES e ao BRDE (Banco de Desenvolvimento da Região Sul) R$ 525 mil, “a título de gestão financeira, havendo, ainda, o risco de vencimento de novas parcelas, em decorrência da indefinição do certame, conforme depoimento do ex-secretário especial de Cultura”. “Conclui-se, então, que a demora na finalização do concurso poderá, também, trazer prejuízos ao Erário.”
A Procuradoria cita que em agosto o presidente Jair Bolsonaro fez uma transmissão em vídeo em suas redes sociais, em que dizia: “Fomos garimpar na Ancine filmes que estavam já prontos para serem captados recursos no mercado. Olha o nome de alguns, são dezenas. O nome e o tema. Já que você falou no Ceará, com todo respeito ao Ceará. Um dos filmes aqui chama ‘Transversais’. Olha o tema: sonhos e realizações de cinco pessoas transgêneros que moram no Ceará. (…) Então o filme é este daqui, conseguimos abortar essa missão aqui”.
Os projetos seriam financiados pelo Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Audiovisual Brasileiro (Prodav), com recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA).
De acordo com a Procuradoria, “as propostas menosprezadas pela declaração presidencial eram quatro de 289 projetos ‘classificados para decisão de investimento’, isto é, que estavam aptos a receber recursos do FSA para a produção das obras audiovisuais”.
Os procuradores ressaltam que “nos termos da regra posta no edital regulador do certame o Ministro da Cidadania ou o Secretário Nacional de Cultura, enquanto órgãos de direção superior, não participavam de modo nenhum no processo de seleção dos projetos”.
“Verifica-se, deste modo, que para atender à vontade pessoal do Presidente da República, qual seja, a de ‘abortar’ produções relacionadas à temática LGBT, o Requerido prejudicou todos os produtores que, de boa-fé, dedicaram-se a concorrer”, afirma a Procuradoria. A ação ainda lembra que a homofobia foi criminalizada pelo “STF há menos de quatro meses”.
Procurado ontem, o Ministério da Cidadania não comentou a decisão. Na quarta-feira, 2, quando o MPF acionou o governo, a pasta disse que “o edital suspenso não foi discutido por este governo”. “Por se tratar de recursos públicos – R$ 70 milhões – que financiariam séries para serem exibidas em TVs públicas, este governo resolveu suspender com a intenção de analisar os critérios de sua formulação. O próprio edital previa a possibilidade de suspensão ou anulação”, informou a pasta, na ocasião.
‘Para atender à vontade do Presidente, de ‘abortar’ produções relacionadas à temática LGBT, o requerido prejudicou os produtores’ Laura Bastos de Carvalho JUÍZA