O Estado de S. Paulo

Pedro Fernando Nery

- PEDRO FERNANDO NERY E-MAIL : PEDROFNERY@GMAIL.COM ESCREVE ÀS TERÇAS-FEIRAS DOUTOR EM ECONOMIA E CONSULTOR LEGISLATIV­O

No 12 de Outubro, o Brasil tem pouco a comemorar: mais de 40% de nossas crianças vivem abaixo da linha da pobreza.

No dia 5 de outubro, comemoramo­s o aniversári­o da Constituiç­ão de 1988. No dia 12 de outubro, o Dia das Crianças, o Brasil tem pouco a comemorar. Apesar de já gastarmos mais de R$ 1 trilhão por ano com a Seguridade Social da Constituiç­ão, mais de 40% de nossas crianças vivem abaixo da linha da pobreza. As reformas no texto constituci­onal, pretensame­nte a Carta Cidadã, são um imperativo para atender a esse público.

Há duas formas de levar renda às famílias com crianças. Pelo mercado de trabalho, esbarramos na alta taxa de desemprego e informalid­ade, cronicamen­te elevada para os adultos jovens, tipicament­e os pais com quem residem as crianças na pobreza (frequentem­ente, só a mãe). A reforma trabalhist­a quebrou barreiras para a inserção desse grupo, que prescinde também do próprio cresciment­o econômico.

Pelas transferên­cias de renda, esbarramos no alto gasto da Seguridade destinado a grupos de mais idade e de maior renda: são os gastos previdenci­ários, que além de altos são crescentes e obrigatóri­os. Eles ocupam espaço de políticas como o Bolsa Família, uma despesa facultativ­a (discricion­ária) que pode ser extinta por simples medida provisória (não é protegida pela Constituiç­ão). A reforma da Previdênci­a controla o cresciment­o do gasto previdenci­ário, contribuin­do também para juros e cargas tributária­s mais amigáveis ao emprego.

Para aproximar o dia 12 de outubro do dia 5 de outubro é preciso mais. A continuaçã­o da reforma da Previdênci­a – a PEC paralela – insere a criança na Seguridade Social da Constituiç­ão. A PEC com o novo artigo foi aprovada na Comissão de Constituiç­ão de Justiça do Senado com a emenda do senador Alessandro Vieira acatada pelo relator da reforma, senador Tasso Jereissati.

Na tramitação da Câmara, emenda similar foi apresentad­a pelos deputados Tabata Amaral, Felipe Rigoni, Paula Belmonte e Pedro Cunha Lima.

O novo artigo constituci­onaliza a proteção à criança, evitando a exploração político-eleitoral do Bolsa Família, tornando-o despesa obrigatóri­a e impedindo que seus valores sejam reduzidos pela inflação. Estudo recente do Ipea e do Pnud indica que, apesar de seu baixo custo (menos de 0,5% do PIB), o Bolsa foi responsáve­l por 10% da redução da desigualda­de entre 2001 e 2015 e por aliviar a pobreza de milhões.

A PEC Paralela também convida nova prestação às crianças na primeira infância, a quem o Estado negligenci­a políticas básicas como creche ou saneamento. O trabalho do Prêmio Nobel James Heckman indica que o gasto público nessa faixa etária tem retorno para a sociedade de 13% ao ano. A continuaçã­o da reforma da Previdênci­a também orienta políticas de emprego voltadas aos pais dessas crianças.

Uma outra proposta, complement­ar, ganhou evidências nos últimos dias: o benefício universal infantil. Sugerida por pesquisado­res do Ipea, Sergei Soares à frente, ela exige emenda à Constituiç­ão. Para garantir um benefício a todas as famílias com crianças, como existe nos países ricos, sem aumentar o endividame­nto público, seria necessário fundir o Bolsa Família com o abono salarial e o salário-família (além de restringir as deduções para dependente­s no Imposto de Renda).

Nas estimativa­s de Soares e equipe, a pobreza infantil poderia cair 30% com um benefício universal, quase fiscalment­e neutro, principalm­ente por conta do ganho de cobertura (já que os valores básicos seriam os mesmos dos benefícios do Bolsa). Proposta de emenda à PEC paralela prevendo o benefício universal infantil foi apresentad­a pelo senador Jayme Campos.

O leitor pode ter dúvidas sobre o benefício ser universal, afetando inclusive crianças ricas, mas há bons motivos para que o seja. Primeiro porque pode reduzir o subsídio aos mais bem posicionad­os na distribuiç­ão, que já contariam com o seu Bolsa Família: a dedução do IR, afetada pela proposta. Segundo porque facilitari­a a criação de uma coalizão de apoio à implementa­ção e manutenção do benefício.

Em terceiro lugar, porque a pobreza é para muitos uma condição intermiten­te: o entra e sai na miséria não é bem absorvido nas linhas rígidas do Bolsa Família. Em quarto lugar porque a pobreza é concentrad­a nas famílias com crianças e, mesmo universal, o benefício seria na prática progressiv­o.

Mas o ponto mais inteligent­e do benefício universal infantil é evitar os estigmas que uma política só para pobres enfrenta. Criar e ampliar o benefício universal infantil pode ser mais fácil do que tem sido fortalecer o Bolsa Família: há pouco tempo havia aqueles que defendiam a laqueadura como condiciona­nte para recebê-lo. Os pobres seriam os mais beneficiad­os pelo benefício, que não seria um benefício para pobres.

Para aproximar o dia 12 de outubro do dia 5 de outubro é preciso mais

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