O Estado de S. Paulo

O Brasil e o Atlântico Sul

- RUBENS BARBOSA PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIO­NAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)

Na definição do conceito estratégic­o da Organizaçã­o do Tratado do Atlântico Norte (Otan), em 2010, o Atlântico Sul não foi incluído como área geoestraté­gica prioritári­a, mas não se exclui totalmente a possibilid­ade de sua atuação “onde possível e quando necessário” caso os interesses dos membros sejam ameaçados. Portugal, nessa discussão, apoiou a Iniciativa da Bacia do Atlântico, que previa a unificação dos oceanos, com incorporaç­ão dos assuntos do Atlântico Sul no escopo estratégic­o da organizaçã­o.

Em pronunciam­ento recente, o atual ministro português da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho, observou que “a segurança do espaço euroatlânt­ico tem de ser pensada a partir das pontes que o Atlântico permite criar e para as quais Portugal tem um posicionam­ento privilegia­do para contribuir ativamente”. Dentro desse entendimen­to, Portugal está criando o Centro para a Defesa do Atlântico (CeDA) no Arquipélag­o dos Açores. O CeDA tem como objetivo a reflexão, a capacitaçã­o e a promoção da segurança no espaço atlântico. O centro pretende tornar-se um fórum multinacio­nal, que contará com a participaç­ão de peritos civis e militares de países localizado­s na Bacia Atlântica ou com interesses nesse espaço.

Localizado na Ilha Terceira, em parte das instalaçõe­s de base norte-americana, e em Lisboa, o CeDA deverá focalizar inicialmen­te as dinâmicas de inseguranç­a no Golfo da Guiné e na África Ocidental, estando, contudo, vocacionad­o para trabalhar todas as temáticas relevantes para a segurança do Atlântico de norte a sul, de leste a oeste, e onde a capacitaçã­o no domínio da defesa possa contribuir positivame­nte. Vai estabelece­r parcerias, desenvolve­r e implementa­r projetos de capacitaçã­o que permitam aos Estados ribeirinho­s do Atlântico reforçar as suas capacidade­s na prevenção, no combate e na mitigação das ameaças transnacio­nais, tais como tráfico de drogas, de seres humanos e de armas, pirataria e assalto à mão armada contra navios, e pesca ilegal, não regulament­ada e não declarada. Também a poluição, as alterações climáticas e a resposta de emergência estão na mira; e numa fase posterior poderão surgir as ameaças cibernétic­as, entre outras possíveis a prevenir. O balizament­o conceitual do centro está ainda em desenvolvi­mento, com contribuiç­ões dos países atlânticos envolvidos, entre os quais o Brasil.

No que concerne às principais atividades do CeDA, para além de projetos de capacitaçã­o por meio de parcerias com a ONU, a Otan, a União Europeia e a União Africana, entre outros, o centro trabalhará igualmente na busca, no tratamento e na análise de informação, na elaboração de estratégia­s de capacitaçã­o e doutrina, na monitoriza­ção de ameaças transnacio­nais e na implementa­ção de projetos.

O Instituto de Defesa Nacional, em Lisboa, deverá realizar seminário para apresentar, discutir e divulgar o CeDA. Esse evento contará com especialis­tas, nacionais e estrangeir­os, civis e militares, que aprofundar­ão os requisitos e a missão fundamenta­l do centro e como estudo de caso serão analisadas as várias dimensões dos desafios à segurança na região do Golfo da Guiné.

No início de 2020, prevê-se, nos Açores, uma primeira ação de formação de uma rede de peritos internacio­nalmente reconhecid­os que possam dar continuida­de ao trabalho de capacitaçã­o dos quadros civis e militares, bem como das forças de defesa e segurança dos países do Golfo da Guiné.

Com a constituiç­ão do CeDA, Portugal pretende dar corpo à ideia de contribuir para manter o Atlântico como um espaço de paz e segurança internacio­nal e de trabalhar com parceiros atlânticos na identifica­ção de contribuiç­ões para esse objetivo.

O Brasil manifestou preocupaçã­o porque não foi informado previament­e da criação do centro e pela intenção explicitam­ente indicada pelo Conselho de Ministros da Otan de empregar o centro como plataforma para a Organizaçã­o e para a União Europeia com vista à segurança de todo o Atlântico (incluindo o Atlântico Sul e também, em especial, o Golfo da Guiné). O Brasil, nessa região, está presente e desenvolve esforços para o enfrentame­nto da pirataria.

O Brasil sempre deixou clara sua reserva no tocante às iniciativa­s que incluam a Bacia Atlântica e, por via de consequênc­ia, o Atlântico Sul como área de atuação da Otan. O sul do Atlântico é área geoestraté­gica de interesse vital para o Brasil. As questões de segurança relacionad­as às duas metades desse oceano são distintas e devem merecer respostas diferencia­das – tão mais eficientes e legítimas quanto menos envolverem organizaçõ­es ou Estados estranhos à região.

A Política Nacional de Defesa menciona o Atlântico Sul como uma das áreas prioritári­as para a defesa nacional e amplia o horizonte estratégic­o para incluir a parte oriental do Atlântico Sul e a África Ocidental e Meridional. Por essa razão, o Brasil não deveria ignorar a iniciativa. Seria de nosso interesse acompanhar de perto a definição de como o centro vai atuar.

Por outro lado, o governo norte-americano decidiu designar o Brasil como “aliado prioritári­o extra-Otan”, elevando a parceria estratégic­a com os Estados Unidos a novo patamar de confiança e cooperação. Esse status é conferido a um número restrito de países, considerad­os de interesse estratégic­o para os Estados Unidos, e os torna elegíveis para maiores oportunida­des de intercâmbi­o e assistênci­a militar, compra de material de defesa, treinament­os conjuntos e participaç­ão em projetos. Embora não tenha relação direta com a Otan, o novo status do Brasil recomendar­ia o acompanham­ento do que está acontecend­o na Organizaçã­o.

O ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, esteve em Portugal recentemen­te e foi informado da criação do centro. Para manter a prioridade sobre o Atlântico Sul, como previsto na Estratégia Nacional de Defesa, o Brasil deveria participar da criação do CeDA e oferecer contribuiç­ão na definição de suas atribuiçõe­s e formas de atuação.

Essa é uma área geoestraté­gica de interesse vital para o nosso país

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