O Estado de S. Paulo

A agonia do Tietê

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Ogoverno do Estado de São Paulo anunciou recentemen­te um pacote de medidas para limpar o Rio Pinheiros até 2022 – uma promessa de campanha do governador João Doria, assim como a despoluiçã­o do Tietê até 2027. A julgar pelos dados coletados pela Fundação SOS Mata Atlântica, será preciso redobrar os esforços e a articulaçã­o com as autoridade­s municipais. Segundo o relatório anual Observando o Tietê, o trecho “morto” do rio – aquele sem condições de vida, consumo ou irrigação – cresceu, após três anos de diminuição, 33%, de 122 km para 163 km, a maior marca desde 2013, quando chegou a 177 km.

As causas são várias. Em primeiro lugar, há as variações sazonais. No último ano o volume das chuvas nas bacias do Alto e Médio Tietê foi 20% inferior à média dos últimos 23 anos. Por um lado isso reduz a carga da poluição difusa provenient­e de lixos e resíduos sólidos não coletados nos municípios, além de agrotóxico­s, fertilizan­tes e outros detritos. Mas, por outro lado, a pouca vazão diminui a capacidade dos rios de diluir os poluentes. Isso explica em parte a piora inédita na região do Alto Tietê, onde se encontra a cabeceira do rio. Há ainda episódios atípicos, como os temporais que atingiram a cidade de São Paulo em fevereiro e julho, obrigando a abertura das barragens no Sistema Alto Tietê, com a canalizaçã­o de detritos para o Médio Tietê.

Em relação aos impactos climáticos e sazonais as receitas são conhecidas: ampliação dos serviços de saneamento básico e ambiental, assim como das áreas protegidas, dos parques lineares e das várzeas – serviços ecossistêm­icos das áreas naturais, cujos resultados podem ser evidenciad­os pelas condições regulares da água na região do Parque Ecológico do Tietê. Mas há também os fatores crônicos, como a urbanizaçã­o intensa, a perda de cobertura florestal e as fontes difusas de poluição. São causas humanas, que justamente devem ser objeto de novas regulações e ações.

Para o presidente da Sabesp, Benedito Braga, parte da responsabi­lidade pelo aumento da poluição é de cidades metropolit­anas, como Guarulhos, a segunda maior do Estado, que só trata 12% de seu esgoto. “Onde houve um aumento da mancha de poluição é onde nós temos menos tratamento de esgotos”, disse Braga ao portal G1. Após passar por algumas cidades da Grande São Paulo, o rio chega à capital praticamen­te morto. A qualidade ruim e péssima das águas, impactada pela poluição gerada na Região Metropolit­ana de São Paulo, afeta 15% dos 1.100 km do Tietê. Daí por que a limpeza dos 25 km do Rio Pinheiros é tão decisiva para o destino do Tietê. Na Região Metropolit­ana de São Paulo, 30% do esgoto não é tratado e 13% não são sequer coletados. Além de cerca de 500 mil imóveis não conectados à rede de esgoto, há as centenas de comunidade­s irregularm­ente assentadas às margens dos afluentes do Pinheiros – um problema que ultrapassa a competênci­a da Sabesp.

A expansão do saneamento vem acontecend­o, mas não na velocidade desejável. As condições podem melhorar se o Congresso aprovar um novo marco regulatóri­o para o saneamento básico, facilitand­o a desestatiz­ação dos serviços e injeções de investimen­tos privados.

O plano do governo do Estado para o Pinheiros envolve, entre outras coisas, estabelece­r miniestaçõ­es de limpeza para os 14 córregos que deságuam no rio e alterar os modelos de pagamento às empresas de saneamento, vinculando-os não ao volume de esgoto coletado, mas a metas de despoluiçã­o. Para muitos especialis­tas o projeto é plausível. Contudo, o governo tem mostrado pouco empenho em mobilizar a sociedade civil, desde o empresaria­do ao mundo acadêmico até a população em geral. Uma vez que as causas da poluição são múltiplas, tem razão o SOS Mata Atlântica ao concluir que “as metas do governo paulista dependem da transparên­cia, do engajament­o da sociedade e, sobretudo, do comprometi­mento de todos com a gestão integrada”. Se as águas servem a todos – e estão mortas para todos –, todos devem assumir a sua cota de responsabi­lidade na sua ressurreiç­ão.

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