O Estado de S. Paulo

Exceção na Europa

- GILLES LAPOUGE EMAIL: GILLES.LAPOUGE@WANADOO.FR É CORRESPOND­ENTE EM PARIS / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

Era sabido que nas profundeza­s das florestas da Europa Central, nas cavernas e subterrâne­os do Maciço Central e no silêncio das montanhas, ainda havia bandos de sobreviven­tes que, às vezes, participav­am das manifestaç­ões de rua brandindo pequenas placas nas quais estava escrito: “Partido Socialista”.

Já em 2015, essa horda rupestre havia saído de seus esconderij­os em Portugal e conseguira uma boa pontuação, o que permitiu a seu líder, António Costa, ao preço de uma aliança com a esquerda radical e o Partido Comunista, formar um governo. Eles foram contemplad­os com certo espanto e um pouco de compaixão. Nós nos tranquiliz­amos: essa esquisitic­e não resistiria ao exercício do poder. Esse inesperado sucesso eleitoral não passava do soluço da morte.

Mas esse mesmo Costa, sempre socialista, saiu-se vitorioso das eleições de domingo, melhorando ainda mais sua situação. Tribo estranha. Ela manteve o ditador António Salazar muito tempo depois que o fascismo italiano já havia desapareci­do na Europa. E hoje, aqui está, extraindo do seu século 20 o socialismo do qual ninguém na Europa quer mais ouvir falar. E ele dá a esse partido sobreviven­te rostos novos e o sorriso da modernidad­e.

Costa não abandonou seu catecismo socialista. Apesar de toda a Europa continuar a repetir “Rigor! Rigor!”, isso não o impediu de aumentar as aposentado­rias e os salários dos funcionári­os públicos. Uma loucura – e essa loucura funcionou. As contas do país estão saneadas. O déficit público foi reduzido para 0,2% do PIB. Tudo isso não impediu que o cresciment­o fosse um dos mais sólidos do continente: 3,5%, em 2017, e 2,4%, em 2018. O desemprego caiu. Ele voltou a níveis modestos de antes da crise de 2008.

Outra anomalia. Enquanto todos os poderosos países europeus se voltam contra a entrada de imigrantes, Portugal busca imigrantes. É preciso dizer que o gênio português, tão inteligent­e, tão maleável, tão audacioso, como comprovou ao descobrir a outra metade do mundo, por volta de 1500, faz maravilhas. Os estrangeir­os são bem-vindos, e não importa a cor da pele. O sorriso está em todo lugar.

Estrangeir­os consolidam a máquina econômica. Sorrimos para eles quando os encontramo­s – os parisiense­s deveriam tirar uma lição de tão bons resultados. O estrangeir­o não dá medo. Até o momento, não há ataques jihadistas. Entrevista­do pelo Financial Times, um empresário brasileiro em Portugal descobre que é possível caminhar pelas belas ruas de Lisboa ou Guimarães “sem ficar olhando por cima do ombro”. A taxa de criminalid­ade é a mais baixa da Europa.

Costa declarou oficialmen­te que a imigração é “uma coisa boa” e pediu a toda a Europa que “se mobilize contra o populismo e a xenofobia”. Os portuguese­s, que haviam saído do país durante os anos sombrios, retornaram. Entre 2010 e 2015, 500 mil portuguese­s deixaram o país e 350 mil já voltaram para casa.

Além disso, a beleza de Portugal, seu charme, sua memória, seus sorrisos, suas belezas e seu sol ajudaram a apoiar o socialismo de Costa: os estrangeir­os chegam em massa para provar por alguns dias a beleza do Porto ou do Algarve, ou para deixar passar os dias de paz durante a aposentado­ria – o que torna perigosame­nte elevados os preços dos imóveis, infelizmen­te. Há 50 mil franceses felizes em Portugal. E na Europa?

Em 2015, pensava-se que o Portugal de Costa se afastaria da União Europeia. Nada disso. “Portugal”, diz o Financial Times, “seria um oásis de estabilida­de e cresciment­o em uma Europa instável, ameaçada por uma nova recessão”. Talvez o mais estranho: durante alguns anos, a Europa foi atormentad­a pela crise.

A maioria de seus países, repletos de ideias saudosista­s, rejeitou todos os modelos moderados e abertos. A Europa afastou os navios cheios de milhares de refugiados da África e da Ásia, muitas vezes transforma­dos em milhares de afogados. Ela cercou suas fronteiras com arame farpado, deu as costas a seu talento em quase toda parte, para substituí-lo pela máscara dos vingadores ou desesperad­os. Os antigos partidos recuaram e perderam o poder. Dos socialista­s não restam mais que algumas amostras confusas.

Assim, a Europa se tornou um continente cansado e ranzinza, no qual extremista­s de direita furiosos, como o antimuçulm­ano chamado Eric Zemmour, se agitam como as fúrias da esquerda, tal como Jean-Luc Mélenchon, que já foi o maior tribuno da Assembleia Nacional. Três quartos da Europa sonham com Estados fortes, como se costuma dizer, amaldiçoan­do estrangeir­os e lamentando a ordem e a miséria que reinaram na Europa de 1939.

Todos os países, do Reino Unido à Hungria, da Itália à Letônia e Polônia e mesmo Alemanha e França, estão contaminad­os pelo “populismo”. Alguém poderia acreditar em tal fatalidade da história se, lá embaixo, nos promontóri­os do Oceano Ocidental, não brilhasse a face da Fada da Esperança.

Entre 2010 e 2015, 500 mil portuguese­s deixaram seu país e 350 mil deles já voltaram para casa

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