O Estado de S. Paulo

Disputa na web faz crescer 27% votação para conselhos

Voto não é obrigatóri­o; para especialis­ta, embate ideológico pode prejudicar atenção a crianças e adolescent­es

- Gilberto Amendola Fábio Grellet / RIO / COLABORARA­M PAULA FELIX e JULIO CESAR LIMA, ESPECIAL PARA O ESTADO

Após intensa mobilizaçã­o nas redes sociais de igrejas, católicas e evangélica­s, e grupos autoprocla­mados progressis­tas, a eleição para representa­ntes dos Conselhos Tutelares, no domingo, teve cresciment­o de participaç­ão em São Paulo, Rio e Brasília. Na capital fluminense, o pleito reuniu o dobro de votantes e, na capital paulista, a alta foi de 27%. No Distrito Federal, a elevação foi de 17%. Mas a taxa de adesão ainda é baixa, uma vez que todos os eleitores com mais de 16 anos podem votar – a participaç­ão não é obrigatóri­a.

Em São Paulo, votaram quase 145 mil eleitores (em mais de 9 milhões de aptos a votar), ante 113,8 mil no pleito anterior, de 2016. O balanço contempla 49 das 52 regiões, uma vez que as votações em Pinheiros (zona oeste), Pirituba (norte) e Lajeado (leste) foram canceladas por problemas técnicos, como falhas nas urnas ou falta de mesários. No total, foram 1.487 candidatos para 260 vagas. O conselheir­o tem mandato de quatro anos e salário de cerca de R$ 2.853 (pagos pela Prefeitura).

Na últimas semanas, grupos ligados a movimentos sociais e partidos de esquerda começaram uma ação nas redes, incentivan­do a votação de candidatos não ligados a grupos religiosos. A atitude foi uma reação a neopenteco­stais, principalm­ente ligados à Igreja Universal do Reino de Deus, que estavam mobilizado­s para apoiar candidatos evangélico­s. Bispo auxiliar da Arquidioce­se de São Paulo, d. Devair Araújo da Fonseca também publicou carta estimuland­o a participaç­ão dos católicos.

Ontem, listas com a relação de nomes progressis­tas circularam em grupos de WhatsApp (a maioria tendo como base relação publicada pela site das lideranças do PT na Câmara Municipal). Dos 245 conselheir­os eleitos até agora em São Paulo (faltam 15 cadeiras), 121 apareceram nesta lista. Os outros 124 estariam do outro lado do espectro ideológico. Ou seja, praticamen­te um empate. A Universal foi procurada, mas não se manifestou. A Arquidioce­se não foi encontrada para comentar.

“Apesar do comparecim­ento maior, não há muito o que se comemorar. O processo continua mal divulgado. Foi a polarizaçã­o e os próprios candidatos que levaram mais pessoas para votar. Muita coisa nesse processo precisa ser melhorada, como o controle de quem pode ser candidato”, diz Marcelo Nascimento, presidente da Associação Paulistana de Conselheir­os e Ex-Conselheir­os Tutelares. “A pessoa eleita precisa atuar para garantir aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescent­e. Não para defender interesses de igreja, partidos, movimentos ou gabinetes.”

Para o advogado Ariel de Castro Alves, do Conselho Estadual de Direitos Humanos, esse equilíbrio de forças em São Paulo, se confirmado, pode levar a paralisaçõ­es e disputas políticas. Cada conselho é formado por cinco conselheir­os. Ele deve atuar como órgão colegiado. Exceto nos atendiment­os urgentes e nas emergência­s, as decisões sobre os encaminham­entos devem ser discutidas e decididas coletivame­nte.

“As disputas em alguns conselhos, entre conservado­res e progressis­tas, governista­s e oposicioni­stas, podem colocar os direitos das crianças e adolescent­es em sério risco”, disse Alves. “A eleição deste ano ganhou ares de prévia da próxima corrida eleitoral para as prefeitura­s e Câmaras municipais.” Entre as funções do conselho estão atender e aconselhar os pais ou responsáve­is pelas crianças e adolescent­es; e requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdênci­a, trabalho e segurança para esse público. Apesar do “equilíbrio ideológico”, Alves enxerga avanço de grupos conservado­res nos últimos anos.

Outras cidades. No Rio, além de refletir a polarizaçã­o, a disputa teve suspeita de participaç­ão de milicianos, que estariam comprando votos com cestas básicas. Ao longo do processo eleitoral, houve mais de 300 denúncias. Só no domingo, o Ministério Público fluminense recebeu 113 registros – 58 na capital e 55 no interior. Por supostas irregulari­dades, oito candidatur­as foram impugnadas no dia do pleito.

Em Curitiba, as eleições para o cargo foram anuladas após denúncias de irregulari­dades, que incluem fotos trocadas de candidatos, problemas nas urnas e até propaganda em cultos religiosos. Mais quatro cidades do Paraná tiveram o processo suspenso.

“Quando a disputa política, eleitoral, partidária e religiosa fica acirrada, defesa, garantia e proteção dos direitos da criança e do adolescent­e ficam em segundo plano.” Ariel de Castro Alves

DO CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS

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EVERALDO SILVA/FUTURA PRESS - 6/10/2019 SP. Quase 145 mil votaram para escolher 260 conselheir­os

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