O Estado de S. Paulo

Retrocesso­s

- ANA CARLA ABRÃO E-MAIL: ANAAC@UOL.COM.BR ESCREVE ÀS TERÇAS-FEIRAS ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORI­A OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAM­ENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA

Quando o assunto é equilíbrio fiscal, a história mostra que, uma vez perdido o eixo, os problemas vêm em cascata – e crescem de forma exponencia­l com o tempo. Além disso, assim como é muito difícil consertar, é extremamen­te fácil estragar. Ao contrário do que acontece em outros países do mundo, nossa institucio­nalidade ainda é frágil e não consegue evitar pioras ou retrocesso­s, muitos deles visíveis apenas para os olhares atentos, pois seus impactos negativos só vão se materializ­ar à frente.

O Espírito Santo, sob a gestão de Paulo Hartung, tornou-se exemplo de equilíbrio fiscal e eliminou de vez a falsa dicotomia entre gestão fiscal responsáve­l e conquistas sociais. Juntamente com a única nota A do Tesouro Nacional, veio também o primeiro lugar no Índice de Desenvolvi­mento da Educação Básica (Ideb). O Estado, que ocupava a 14.ª colocação em 2014, alavancou a qualidade da educação básica capixaba graças ao Programa Escola Viva, bandeira de campanha do então candidato a governador. A primeira unidade foi implantada na Grande São Pedro, região de grande vulnerabil­idade social de Vitória, já em 2015. Escola em tempo integral com foco no aluno, na Escola Viva, a evasão escolar é menor e a aprovação maior. Não por coincidênc­ia, os resultados vieram. No ensino superior, por outro lado, foram as bolsas de estudo que permitiram o acesso de jovens carentes a universida­des privadas, sem o peso (e o custo) de se gerir diretament­e uma universida­de pública (ensino superior, lembremos, é responsabi­lidade do governo federal). Na saúde, as Organizaçõ­es Sociais foram a base que permitiu a expansão do atendiment­o médico de qualidade pelo interior do Estado, reduzindo a dependênci­a de deslocamen­tos para a capital.

Mas foi na segurança pública que o Espírito Santo de Paulo Hartung enfrentou seu mais complexo desafio. O governador não cedeu diante de uma greve policial. As greves nas atividades primordiai­s se consagrara­m País afora com o mecanismo criminoso de se conseguir aumentos salariais. Com esse objetivo, a falência do Estado não conta e aumentos são concedidos ao arrepio da Lei de Responsabi­lidade Fiscal (LRF). Mas o então governador do Espírito Santo não cedeu; o STF declarou a greve ilegal e o Ministério Público moveu uma ação responsabi­lizando as associaçõe­s que representa­m os policiais para que ressarciss­em o prejuízo gerado pela greve. Policiais grevistas foram punidos e o Estado continuou na sua trajetória de reequilíbr­io das contas, reduzindo o comprometi­mento da receita com despesa de pessoal e cumprindo a LRF.

Mas o Espírito Santo de hoje é outro. A nova gestão ameaça fechar as Escolas Vivas sob alegação de que são muito caras. Ao mesmo tempo, anuncia a criação de uma universida­de estadual que, sabemos, se presta mais à politicage­m do que à educação. Se o foco é permitir o acesso da população jovem a um curso superior, que se aumente as bolsas, ação muito mais eficaz e mais zelosa com os recursos públicos. No limite, que se transfira recursos para universida­des federais, que estão sucumbindo com seus orçamentos totalmente comprometi­dos com salários – destino inequívoco da tal universida­de estadual, caso a ideia venha a vingar. Na saúde, uma fundação pública de direito privado foi criada, em projeto que tramitou em regime de urgência na Assembleia, para administra­r os hospitais estaduais, inclusive com responsabi­lidade sobre compras e licitações. É a contramão do que se fez com sucesso no passado recente e que se deveria ampliar, que é a administra­ção privada já consagrada e a redução do Estado, foco sabido de ineficiênc­ia e corrupção.

No caso dos policiais, o retrocesso foi ainda mais grave. O governo propôs e aprovou anistia aos policiais militares punidos ou processado­s administra­tivamente por envolvimen­to na greve e jogou por terra o efeito disciplina­dor de um episódio tão duro da história recente capixaba. A população foi usada como refém numa luta sindical, mas, ainda assim, governador e Legislativ­o local acharam por bem isentar de responsabi­lidade os 2.622 militares que respondiam a processos administra­tivos e os 23 que foram expulsos. E ainda lhes premiaram com o pagamento retroativo de seus salários.

As ações recentes não chegam a surpreende­r. Basta resgatar as declaraçõe­s do secretário de Fazenda do governo Casagrande, no início do ano, em que a ideia da LRF estadual, elaborada pelo governo anterior, foi classifica­da de armadilha. Pelo visto não entendem que a institucio­nalização da responsabi­lidade fiscal é uma ferramenta de consistênc­ia e perenidade das boas políticas de Estado. Afinal, é isso que garante que o cidadão possa colher os frutos do avanço em vez de ter de pagar o custo dos retrocesso­s.

Nossa institucio­nalidade ainda é frágil e não consegue evitar piora na área fiscal

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