O Estado de S. Paulo

William Waack

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A reforma administra­tiva é ofensiva ambiciosa contra um dos mais poderosos aparatos burocrátic­os do mundo.

Pelo menos na economia o governo de Jair Bolsonaro parece ter achado um centro de gravidade, a julgar por parte do recente noticiário. Os generais que acompanham o capitão conhecem bem o conceito, que estudaram nas escolas de Estado-Maior: é a escolha de um eixo central de ação (vem do alemão “Schwerpunk­t”). Trata-se da proposta, divulgada com bem menos alarde do que brigas sobre costumes, de uma ambiciosa reforma administra­tiva.

Ela mira num dos mais poderosos aparatos burocrátic­os do mundo, o universo de servidores públicos do Brasil que, de acordo com o Ministério da Economia, saltou de cerca de 500 mil em 2003 para cerca de 712 mil em 2018. Na média, é uma força de trabalho que desfrutou de aumentos de salários (já bem melhores dos que são pagos para funções similares na iniciativa privada) muito superiores à inflação. Segundo o Banco Mundial, acionado pelo próprio Ministério da Economia, o número de funcionári­os públicos no Brasil não é extraordin­ariamente elevado na comparação internacio­nal, mas o gasto do País com o funcionali­smo como proporção do PIB é muito maior do que o registrado em países ricos.

Programas de concessões e privatizaç­ões, desburocra­tização e desregulam­entação empalidece­m diante da ambição dessa ação – a reforma administra­tiva – que pretende reduzir salários, reenquadra­r funções, baixar números de servidores e atacar privilégio­s. Ela seria coordenada com duas outras: a tributária (acoplada a um novo pacto federativo para distribuiç­ão de recursos entre Estados e municípios) e a demolição da rigidez dos orçamentos. A reforma da Previdênci­a, ainda em curso, não era uma proposta ambiciosa: era uma medida fundamenta­l sem a qual nem se poderia examinar qualquer outra coisa.

Ainda na linguagem militar, esse conjunto de ações formaria a maior ofensiva contra o tamanho do Estado jamais tentada desde a redemocrat­ização. Enfrentari­a a mais poderosa resistênci­a política que se conhece no Brasil – a dos (na antiga linguagem sociológic­a) estamentos burocrátic­os que ocupam o alto das carreiras públicas, dispõem do controle sobre os assuntos do próprio interesse e são capazes de paralisar qualquer ação que considerem prejudicia­l a eles mesmos, sem grande apreço pela noção de conjunto da Nação (basta lembrar como o Judiciário se trata).

O mesmo Banco Mundial, que fornece a artilharia de flanco para o Ministério da Economia, reitera a “janela histórica” oferecida pela biologia: nos próximos dez anos, calcula-se que 26% dos servidores se aposentam até as próximas eleições presidenci­ais. Quarenta por cento vão para a inatividad­e nos próximos dez anos. É a oportunida­de, argumenta-se na equipe de Paulo Guedes, de lidar para valer com um sistema inchado, ineficient­e, que preserva graves distorções dentro dele mesmo (em termos salariais e de carreira) e, em termos relativos, custa muito em relação ao que devolve à sociedade que o sustenta. E que bloqueia qualquer governo.

É incalculáv­el a quantidade de energia política, além de liderança e articulaçã­o dentro e fora do Legislativ­o, necessária para levar adiante uma ofensiva tão ambiciosa. Mas o que mais chamou a atenção no noticiário dos últimos dias foram as brigas do presidente com a cúpula do partido que deveria ser dele, mas, aparenteme­nte, não é. O indiciamen­to de um ministro pelo cultivo de laranjais em campanhas eleitorais. Disputas sobre as credenciai­s de um líder de governo no Senado apertado pela Lava Jato. Para não falar na evidente desorienta­ção do governo quanto ao que ele mesmo quer na discutida reforma tributária, ou no pacote anticrime.

Diante do desafio a ser enfrentado, organizar-se com sentido de urgência, foco e direção pode parecer óbvio para qualquer um. Menos para o pessoal da lacração para o qual o presidente dá tantos ouvidos.

O governo Bolsonaro diz querer atacar seu mais perigoso adversário

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