O Estado de S. Paulo

Gilles Lapouge

- EMAIL: GILLES.LAPOUGE@WANADOO.FR TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ É CORRESPOND­ENTE EM PARIS

Perfil montado por colegas revela que policial assassino de Paris era jihadista com acesso a dados de segurança.

Começou com um morto. Na quinta-feira, na central de polícia de Paris, um policial crava uma longa faca em outro policial. Sai correndo e gritando pelos corredores. Mata de novo. Quatro policiais terminam mortos, entre eles uma jovem, e um quinto fica ferido. O assassino é abatido por outro policial que estava prestes a morrer apunhalado. A carnificin­a durou sete minutos.

O lugar em que ocorreram os assassinat­os, o centro nervoso da segurança nacional, dá um tom ainda mais sinistro à orgia de sangue. Alguns começaram logo a perguntar se era mais uma festa macabra do jihadismo. Não era, afirmou horas depois o ministro do Interior, Christophe Castaner. O matador, segundo ele, era um jovem excelente, um tipo comum que enlouquece­u de repente. Não tinha nenhuma ligação com os “loucos de Deus”, que matam em nome da glória de Alá e de seu profeta.

No dia seguinte, sexta-feira, colegas do assassino ajudaram a montar um perfil. Era muito diferente do traçado pelo ministro do Interior. O homem se chamava Mickaël Harpon e era casado havia dez anos. Converteu-se ao Islã há alguns anos e costumava dizer coisas chocantes. Por exemplo, quando jihadistas assassinar­am friamente toda a redação do semanário satírico Charlie Hebdo, ele comentou: “Tiveram o que mereciam”. Anos atrás, ele parou de dar bom dia a suas colegas policiais. Frequentav­a também a mesquita de Gonesse, perto de Paris, um ninho de salafistas.

Os cérebros do governo cogitaram que a mulher de Harpon, convertida como ele ao islamismo, pudesse ser sua cúmplice, mas ela não era e foi libertada após três horas de interrogat­ório. Os 36 tuítes que ela e o marido trocaram na manhã da chacina tinham conteúdo exclusivam­ente religioso.

O perfil do matador foi concluído, e era apavorante. Harpon trabalhava na área de informátic­a. Visitava todos os escritório­s para fazer a manutenção dos poderosos computador­es utilizados pela polícia. Assim, houve tremores de medo e cólera sobre o que ele poderia ter deixado em seu computador. De fato, um seu arquivo aberto pelos investigad­ores continha milhares, dezenas de milhares, de informaçõe­s secretas sobre o pessoal da segurança.

Era um tesouro – um tesouro maligno se seu conteúdo codificado fosse divulgado nas fileiras jihadistas. Nesse caso, centenas de agentes secretos, entre eles os mais bem informados da França, passariam a ser vistos como espiões e detectores de segredos de Estado. Além disso, centenas de policiais de elite teriam suas vidas escancarad­as à curiosidad­e do povo.

Estamos há cinco ou seis dias da descoberta desse abecedário do mal e, em princípio, os endereços e as peculiarid­ades dos citados não foram revelados. Mas se compreende por que eles e suas famílias cederam ao pânico e tremeram. Como tremeu provavelme­nte o ministro do Interior, marcado para sempre por seu grave erro de avaliação.

Homem que assassinou colegas em Paris tinha acesso a informaçõe­s de segurança

 ?? BENOIT TESSIER/REUTERS–8/10/2019 ?? Paris. Policiais participam de enterro de colegas assassinad­os
BENOIT TESSIER/REUTERS–8/10/2019 Paris. Policiais participam de enterro de colegas assassinad­os
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