Quentinha chique Restaurantes premiados entregam em casa.
Os restaurantes gastronômicos decidiram apostar nos aplicativos de delivery. Eles adaptaram receitas, ampliaram instalações e investiram em novas embalagens. Quem sai ganhando é você
O pai era contra. Dizia que a carne chegaria fria à casa dos clientes. Mas os jovens irmãos à frente do Rubaiyat, Victor e Diego Iglesias, acharam que daria pé e começaram uma parceria com o aplicativo Rappi sem avisar o velho Belarmino, em outubro do ano passado. “Fomos pioneiros entre os restaurantes de luxo de São Paulo”, afirma Victor.
Deu tão certo que escaparam da bronca. Um ano depois, as vendas por aplicativos atingem R$ 600 mil por mês, ou 8% do faturamento do grupo. E não somente a carne chega quentinha: as famosas batatas suflê da casa não perdem a crocância na viagem, graças aos truques do mundo das entrega digitais.
Desde a aposta do Rubaiyat, outras marcas premiadas, como o Mocotó e A Casa do Porco, ingressaram nas telas do iFood, da Rappi e do UberEats. Foram, de certa maneira, pressionadas por uma mudança de comportamento dos paulistanos. A clientela mais fiel já enviava motoqueiros a esses endereços, pelo botão “qualquer coisa” da Rappi – que permite pedidos específicos, como comprar um determinado prato para viagem. (Alguns chefs, em off, admitem que dificultavam esse “delivery forçado”.)
O casamento interessava aos aplicativos, que passaram a disputar a exclusividade dos restaurantes estrelados. Mais popular entre clientes de renda elevada, a Rappi conseguiu a exclusividade de marcas como Le Jazz e Marakuthai. O iFood, que ganha no volume de usuários, tem nomes como Ici Brasserie, Mocotó e Adega Santiago.
Em troca de acordos desse tipo, as plataformas oferecem aos chefs taxas mais baixas (de 15% a 19% versus até 28% para lugares menos renomados), exposição privilegiada na tela, gerentes de conta exclusivos e até dinheiro para a construção de
dark kitchens, cozinhas que funcionam apenas para o delivery dos restaurantes. A Rappi deve terminar o ano com cem cozinhas do tipo no País.
“Além de gerarem pedidos mais caros, os restaurantes de alta gastronomia nos ajudam na estratégia de marca”, diz Georgia Sanches, diretora de Restaurantes da Rappi. “O público deles é formador de opinião”, ela afirma.
“Quando um cliente entra na área ‘gourmet’ do aplicativo, sabemos “Nossa expectativa foi superada no primeiro mês. Hoje, entregamos até 250 refeições por dia. Os apps são 15% das vendas. É extraordinário.” Rodrigo Oliveira, chef do Mocotó (foto à esq.) que está disposto a gastar mais, o que valoriza esse espaço da tela”, completa Manuel Coronado, diretor comercial do iFood, que tem 995 restaurantes nessa “tela vip” do app, criada em novembro passado.
Tempo e temperatura. Para garantir a qualidade dos pratos no delivery, os chefs precisaram se adaptar. “Um dos principais desafios é a embalagem”, diz Mayra Chinellato, diretora de operações do grupo Fasano. “É preciso ajustá-las para que o pão não resseque, a burrata não solte água, a massa não passe do ponto e a batata não murche”, diz.
As casas mais sisudas do grupo, como o Fasano e o Parigi, não se renderam aos apps – assim como Maní, Shin-Zushi, Tanit e outros tops que não acreditam que manteriam o nível dos pratos, ou não abrem mão da experiência do salão. Mas, desde julho, o Fasano testa um delivery no Gero Panini, o endereço mais informal da grife. A novidade entra no ar no fim do mês e terá massas, entradas, sanduíches e sobremesas. “Criamos uma embalagem para cada prato”, diz Mayra.
No Rubaiyat, as embalagens ficam armazenadas em uma estufa. “Do contrário, a comida começa a esfriar quando é colocada nelas”, conta Victor. E como a batata suflê não murcha? Primeiro, a embalagem tem furos de “respiração”. Depois, a guarnição só é entregue em um perímetro reduzido – o restaurante atende até a 5 km, mas muda para 3 km se o pedido incluir as batatas. Por fim, o grupo negociou uma vantagem com a Rappi. “Um motoboy que pega nossa entrega precisa levá-la diretamente ao cliente (normalmente, eles podem apanhar outras no caminho)”, ele explica.
Outro cuidado comum é limitar o cardápio. N’A Casa do Porco, por exemplo, só são entregues o porco assado (San Zé), o Porcopoca (torresmo com especiarias) e os sanduíches. “Alguns pratos não chegariam com qualidade”, diz Janaína Rueda, sócia da casa – onde o delivery representa 17% das vendas. “Estamos alugando um imóvel para servir de cozinha-delivery para o grupo (Casa do Porco, Bar da Dona Onça e Hot Pork). Vamos criar pratos exclusivos para entrega”, ela afirma. “Vou entrar forte nesse mercado”.
No Z Deli, a premiada rede de delis e sanduicherias (conhecida pelas longas filas) que entra no iFood na semana que vem, as batatas serão mais finas no delivery, para chegarem crocantes. O hambúrguer de tutano saiu do cardápio da entrega, porque deve ser comido bem quente, assim como o Chopped Steake, por perder líquido no percurso.
Esse mesmo problema, digase, encontrou uma solução original na Bráz Pizzaria: a caprese, carro-chefe da casa, não era entregue porque a mussarela de búfala artesanal soltava água no caminho; agora, ela e outros ingredientes chegam em um recipiente separado, para o cliente montar em casa.
Desafios à parte, era inevitável que os nomes tradicionais da gastronomia entrassem na era dos aplicativos. “É uma tendência muito forte”, diz Rodrigo Oliveira, do Mocotó. “Nossa expectativa foi superada no primeiro mês. Hoje, entregamos até 250 refeições por dia. Os apps são 15% das vendas. É extraordinário”, conclui.
Dizem os relatos que o primeiro milionário da corrida do ouro, o americano Sam Brannan, não explorava o metal: ele vendia pás. Hoje, em meio à febre dos aplicativos de delivery, um empreendedor de Guarulhos (SP) faz sucesso sem saber preparar um ovo frito. Luiz Silveira, 51, produz embalagens para a entrega das refeições.
Não quaisquer embalagens. Silveira criou um produto inovador: são recipientes feitos de papel (ou seja, com apelo sustentável), com tampas e bordas termosseladas (não vazam e perdem pouco calor) e cujo visual se adapta a cada restaurante.
Por se tratar de uma embalagem premium, ele se tornou o principal fornecedor dos restaurantes sofisticados de São Paulo que apostaram no delivery. Mais do que isso: em parte, Silveira permitiu que a alta cozinha chegasse aos aplicativos – não é coincidência que sua empresa, a Scuadra, tenha surgido pouco antes desse movimento, no início de 2018. “Os chefs renomados não se sentiam confortáveis para fazer entregas (usando marmitex). Não queriam associar a marca deles a uma ‘quentinha’”, ele afirma.
A lista de clientes inclui nomes como Mocotó, Maní Manioca, Marakuthai, Pobre Juan, Nobu, Le Jazz, Fitó, Rinconcito Peruano, Ici Brasserie, A Baianeira, Rubaiyat, Forneria San Paolo, Nakka e por aí vai. “Tenho 280 clientes, dos quais 180 são marcas conhecidas da gastronomia”, diz.
A história de Silveira, por sinal, emergiu de conversas com esses chefs badalados. Ao serem perguntados sobre suas operações de delivery, restaurateurs como Rodrigo Oliveira (Mocotó), Victor Iglesias (Rubaiyat) e Julio Raw (Z Deli) repetiam, enfáticos: conheçam o Luiz, da Scuadra, porque ele tem uma história incrível.
Eis a história. Eugênio, o pai de Luiz, trabalhou por 36 anos no lixão da Vila Guilherme – onde hoje fica o Shopping Center Norte. Luiz chegou a apanhar entulhos no local por quatro anos. Depois, passou a vender vassouras e baldes na Av. Braz Leme. Enfim, tornou-se dono de uma pequena loja de produtos de limpeza, que se transformaria em uma próspera distribuidora desse tipo de material, na qual trabalhou por 28 anos e chegou a empregar 40 funcionários.
Dois anos e meio atrás, após um jantar no Coco Bambu da mesma Av. Braz Leme, percebeu um problem com a “quentinha” que levou para casa: o molho vazou na geladeira. Silveira, então, pesquisou na internet e descobriu uma lacuna de mercado. “No Brasil, só existiam embalagens de plástico, isopor ou marmitex”, ele diz.
Em janeiro de 2018, o empreendedor conseguiu um encontro com a chef Renata Vanzetto, dona de marcas como o Ema e o Marakuthai. “Ela me deu dez minutos. Eu levei uma embalagem pronta, já com a estampa do Marakuthai. Ela se apaixonou na hora”, ele relembra. “Tive de prospectar a primeira cliente. Todos os outros vieram atrás de nós”, diz.
Mais caras. Hoje, Silveira produz meio milhão de embalagens por mês em sua fábrica de 5 mil metros quadrados, próxima ao Aeroporto de Guarulhos, onde emprega cem funcionários. Tem três pedidos de patente em análise: do desenho industrial que desenvolveu, da trava de papel das embalagens e do equipamento que fornece aos clientes para a selagem (já instalou 350 deles).
“A embalagem da Scuadra custa 50% a mais que as comuns, mas vale a pena”, diz Roberto Nakamuri, sócio do Nakka – onde a operação de delivery, sob a marca NKK, entrega 5 mil pedidos por mês. “Elas se adaptam ao tamanho e formato que precisamos. Além disso, são ecológicas, o que é uma tendência importante”, ele afirma.
“São todas 100% recicláveis”, reforça Silveira. “Mesmo se estiverem sujas de gordura, elas passam por um processo que separa as fibras de celulose para a reciclagem”, ele diz. “Pode acreditar, desse papo eu entendo. Eu vim do lixo”, conclui.
“Os chefs renomados não se sentiam confortáveis para fazer entregas (com marmitex). Tenho 280 clientes, dos quais 180 são marcas conhecidas da gastronomia” Luiz Silveira, da Scuadra