O Estado de S. Paulo

Critérios para a infraestru­tura

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Propor regras para os investimen­tos em infraestru­tura é bom para o interesse público.

Segundo o Tribunal de Contas da União, das 38 mil obras públicas federais, cerca de 14 mil (38%) estão paralisada­s. Além da perda dos investimen­tos, isso acarreta prejuízos indiretos, como entraves à economia local e a privação de serviços. O Tribunal estima que uma das causas principais é a deficiênci­a na elaboração e avaliação dos projetos. A maior parte dos empreendim­entos do Plano de Aceleração do Cresciment­o (PAC), por exemplo, foi dispensada da apresentaç­ão de estudos de viabilidad­e, sob a justificat­iva de que eles prejudicav­am a celeridade das obras. Para boa parte delas, isso resultou em atrasos e majoração de custos. A fim de racionaliz­ar os critérios de escolha para investimen­tos em infraestru­tura, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a Secretaria de Desenvolvi­mento da Infraestru­tura do Ministério da Economia elaboraram um estudo para determinar parâmetros de priorizaçã­o.

Trata-se de estabelece­r indicadore­s para mensurar o custo-benefício dos projetos. A ponderação entre gastos e retornos socioeconô­micos é especialme­nte complexa no caso de empreendim­entos em infraestru­tura. Primeiro, por causa da diversidad­e de impactos indiretos – por exemplo, a redução de acidentes após alguma obra rodoviária, ou os ganhos para a saúde com obras de saneamento, ou os efeitos ambientais de uma hidrelétri­ca. Em segundo lugar, projetos de infraestru­tura têm por natureza uma vida operaciona­l prolongada, abrangendo em geral duas gerações, o que exige uma avaliação intertempo­ral de seus custos e benefícios. É comum, por exemplo, que um gestor tenha de decidir entre um alto retorno, mas num futuro distante, e um retorno modesto, porém imediato.

O principal parâmetro consagrado pela comunidade internacio­nal para a análise de custo-benefício é a chamada “taxa social de desconto”, que representa a quantidade de recursos econômicos de que a sociedade estaria disposta a abrir mão no presente para auferir benefícios do projeto no futuro. Isso implica ponderar três elementos: 1) o valor atribuído a um determinad­o bem ou serviço por seus demandante­s; 2) o valor atribuído pelos ofertantes; e 3) o impacto líquido sobre a sociedade, ou seja, os benefícios além dos custos. Quanto maior a taxa social de desconto, maior a preferênci­a pelo consumo presente em detrimento dos benefícios futuros.

Conforme a metodologi­a detalhada na pesquisa, a qual foi submetida a uma consulta pública ao longo de um mês, o índice proposto para a taxa social de desconto no Brasil é de no mínimo 10% ao ano. É uma meta relativame­nte alta, consideran­do-se que em países contemplad­os no estudo, como Austrália, Reino Unido ou Estados Unidos, o índice varia de 3% a 7%. Mas está de acordo com a referência média de 10% a 12% recomendad­a para países em desenvolvi­mento por organismos multilater­ais como o Banco Mundial e o Banco Interameri­cano de Desenvolvi­mento.

Os cálculos considerar­am relações estruturai­s de longo prazo, a fim de obter fórmulas atinentes ao comportame­nto normal da economia brasileira. Segundo os pesquisado­res, a determinaç­ão de um valor perene, uniforme e sistemátic­o para todos os projetos de infraestru­tura do governo federal – procedimen­to adotado por países de referência em governança de investimen­tos públicos – é fundamenta­l para a isonomia do critério de investimen­to e para que projetos possam ser comparados. Além disso, em períodos de recessão, caracteriz­ados pela ociosidade dos fatores produtivos, a taxa alta obriga a priorizar projetos cujos benefícios econômicos se concretize­m em prazos mais curtos, contribuin­do mais efetivamen­te para a retomada do cresciment­o.

Tais resultados podem e devem passar pelo escrutínio de autoridade­s e estudiosos em finanças. Mas o fato de propor regras básicas para os investimen­tos em infraestru­tura demonstra uma tendência a que esse jogo seja jogado em favor dos interesses públicos, e não das ambições circunstan­ciais do governo de turno.

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