O Estado de S. Paulo

Preferênci­a pela educação

- JOSÉ SERRA SENADOR (PSDB-SP)

Oataque de 14 de setembro ao maior complexo de exploração petrolífer­a do mundo, na Arábia Saudita, trouxe prejuízos transitóri­os e uma lição duradoura: o mundo está encharcado de petróleo.

Num primeiro momento, especulou-se que o inusitado ataque imporia prêmio de risco geopolític­o permanente aos preços do óleo. Quase um mês depois, porém, o pico de alta nas cotações se desvaneceu numa pronunciad­a queda dos preços dessa matéria-prima. Na véspera do evento, a cotação do brent foi de US$ 60,22 o barril; no dia útil seguinte, fechou a US$ 69,02, uma alta de 15%. Entretanto, três semanas depois, em 2 de outubro, a cotação caiu a US$ 57,69 – 5% menor que à véspera do ataque.

A lição: o petróleo é uma riqueza cujos dias – ou décadas – estão contados. Enquanto a produção é impulsiona­da por novas tecnologia­s, como o fraturamen­to hidráulico e a exploração em águas ultraprofu­ndas, a demanda não tem acompanhad­o o cresciment­o da economia mundial. O gasto energético tem sido mais eficiente e o petróleo vem sendo substituíd­o por outras fontes de energia. De 2008 a 2018, o PIB mundial cresceu 28,3% e a demanda por óleo, apenas 16,1%.

Quanto mais demorarmos, menos bônus extrairemo­s da riqueza-petróleo. Quando o assunto é o pré-sal, tempo é dinheiro, literalmen­te.

O Brasil desperdiço­u oportunida­des trazidas pelos preços maiores do petróleo quando iniciou uma improdutiv­a e demorada mudança do marco legal do pré-sal. Ficamos cinco anos parados, sem novos leilões de petróleo. E o novo regime aprovado, o de partilha, represento­u só a volta mal disfarçada do monopólio da Petrobrás. A estatal passou a ser operadora compulsóri­a de, no mínimo, 30% dos campos. E com a obrigação de arcar nessa proporção com os custos de exploração, encargo muito além da capacidade da empresa, então à beira da insolvênci­a por causa de anos de má gestão. O primeiro leilão só foi realizado em 2013, para o campo de Libra.

Em 2016, lei de minha autoria modificou o regime de partilha, transforma­ndo a obrigatori­edade de participaç­ão da Petrobrás em direito de preferênci­a. O ideal seria ter revogado essa obrigatori­edade, mas o direito de preferênci­a foi o consenso político possível à época.

A mudança permitiu destravar os leilões do pré-sal. Em 2017 e 2018 foram feitas quatro rodadas de licitações, que arrecadara­m R$ 16,1 bilhões em bônus de assinatura e garantiram R$ 2,5 bilhões em investimen­tos na fase de exploração.

A competição entre as petroleira­s resultou em ofertas de excedente em óleo para a União que chegaram a 80%. O excedente em óleo é o lucro da produção. A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombust­íveis estimou que os campos leiloados nas quatro rodadas do pré-sal renderão R$ 1,2 trilhão para União, Estados e municípios ao longo de 30 anos, ou R$ 40 bilhões por ano. Nada mau para um projeto de lei tachado de “entreguist­a” pelos suspeitos de sempre.

Entretanto, é possível avançarmos ainda mais para aumentar a participaç­ão do Estado na renda petrolífer­a. Em que pese o sucesso dos leilões do présal, ficou claro que o direito de preferênci­a dado à Petrobrás causa distorções que podem frear ou mesmo reduzir o ganho estatal proporcion­ado pela exploração.

O direito de preferênci­a permite à Petrobrás, caso tenha seu lance superado no leilão, aderir ao consórcio vencedor, tornando-se a operadora do campo, com participaç­ão mínima de 30%. Isso pode parecer razoável, em se tratando de empresa estatal. Porém é preciso levar em conta que a Petrobrás participa dos leilões com uma lógica exclusivam­ente empresaria­l, isto é, objetivand­o a maximizaçã­o de seu lucro. E não se deve esquecer que, apesar do controle ser estatal, a propriedad­e da empresa, hoje, é majoritari­amente detida por acionistas privados.

Vejam do que se trata: na 4.ª Rodada de Partilha de Produção, na condição de operadora de um consórcio, a Petrobrás ofertou 18% de excedente em óleo para a União pelo bloco de Três Marias, proposta derrotada por outro consórcio, que ofereceu 49,95%. Como era previsível, a empresa exerceu seu direito de preferênci­a e aderiu ao consórcio vencedor.

Se aderiu, é porque considerou vantajoso, mesmo repassando 49,95% de excedente em óleo para a União – o que não a inibiu de apresentar inicialmen­te uma proposta tão baixa quanto 18%. Ficou óbvio: o direito de preferênci­a induz a Petrobrás a oferecer lances mais baixos dos que daria na ausência desse direito. A empresa não corre o risco de perder campos que lhe interessem.

Por isso estou propondo agora um passo à frente: um projeto de lei que prevê o fim do direito de preferênci­a da Petrobrás. Os interesses da empresa nem sempre coincidem com os interesses da União. Para um mesmo nível de eficiência, qualquer aumento do lucro da Petrobrás reduz a parcela de óleo ofertada à Federação.

O excedente em óleo da União é receita pública destinada ao Fundo Social e, dessa, 50% vão para a educação pública. Quanto menores os lances da Petrobrás, menos recursos serão destinados à educação.

Não somos adversário­s da empresa. Ao contrário, desde sempre defendemos a ideia de que ela seja bem gerida e apresente bons resultados. Apenas discordamo­s de que parte de seu lucro possa advir não de maior eficiência, mas do direito de preferênci­a, um privilégio legal.

A Petrobrás é forte, competente e lucrativa o suficiente para contemplar o interesse dos seus acionistas, majoritari­amente privados. Não precisa de privilégio­s especiais. Num Brasil moderno e socialment­e justo, privilégio­s só para a educação.

Neste momento de grave crise fiscal, em que os recursos para a educação chegam a ser contingenc­iados – a ponto de compromete­rem o futuro do Brasil –, temos de tomar posição de forma inequívoca: toda a preferênci­a deve ser da educação.

A Petrobrás é forte, competente e lucrativa, não precisa de privilégio­s

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