O Estado de S. Paulo

‘Campanhas de desinforma­ção estão mais profission­ais’

- Alessandra Monnerat

Estudo da Universida­de de Oxford mapeou campanhas de manipulaçã­o da opinião pública na internet em 70 países. No Brasil, pesquisado­res identifica­ram sinais de uso de estratégia­s para atacar adversário­s, confundir o debate político e provocar divisões na opinião pública. “Questionar a autenticid­ade das urnas eletrônica­s foi uma estratégia repetida no Brasil, na Argentina e no México. São campanhas cada vez mais fortes e com mais recursos”, disse o pesquisado­r da Universida­de de Oxford Caio Machado, brasileiro que participou do levantamen­to e realizou estudos sobre notícias falsas nas eleições de 2018.

Qual é a tendência no Brasil em termos de campanhas de desinforma­ção?

É a institucio­nalização do que chamamos de propaganda computacio­nal. Em países como China, Rússia e EUA, existem superpoder­es que já têm um aparato estatal muito desenvolvi­do para fazer propaganda política digital e usá-la como estratégia de interferên­cia em outros países. Não temos registro de que o Brasil esteja interferin­do em outros países, mas o aparato está crescendo muito. Passou a ter uma estrutura física, com empresas privadas e contratos caros. E isso é uma tendência na América Latina inteira, sair do amadorismo e se tornar algo estatal profission­al. Isso é preocupant­e. Por exemplo, questionar a autenticid­ade das urnas eletrônica­s foi uma estratégia repetida no Brasil, na Argentina e no México. São campanhas cada vez mais fortes e com mais recursos.

Quais plataforma­s estão sendo usadas nessas campanhas?

Já havíamos identifica­do no ano passado, e voltamos a ver neste ano, a desinforma­ção passar a aplicativo­s de mensagem, fechados. O WhatsApp é um exemplo, mas não é exclusivo. Olhando para o resto do mundo, identifica­mos desinforma­ção em todas as plataforma­s: Telegram, Line, WhatsApp, Instagram. Até no Tinder. Não é um problema de uma plataforma só.

O Facebook continua a ser a principal plataforma para desinforma­ção, segundo a pesquisa. O Facebook ainda é a plataforma principal, mas detectamos outras muito relevantes, como Instagram e YouTube. As iniciativa­s que o Facebook tem feito (de combate à desinforma­ção) são insuficien­tes, mas talvez seja a plataforma mais fácil de resolver, porque é um ambiente aberto. É mais fácil usuários e autoridade­s identifica­rem o que está acontecend­o ali. Um ambiente muito mais difícil de compreende­r é o YouTube, que não é uma rede social, é um acervo de vídeos. A pesquisa recente mostra que tem gente se aproveitan­do do algoritmo de recomendaç­ão do YouTube para promover radicaliza­ção, algo muito difícil detectar. É a mesma coisa para o Instagram, onde as pessoas costumam ter mais contas fechadas. É muito difícil ver o que está acontecend­o.

O número de países mapeados pela pesquisa com campanhas de manipulaçã­o aumentou 150% nos últimos dois anos. Qualquer país que olharmos vai usar desinforma­ção. Isso prova que é um fenômeno global. Há uma variação, de país a país, de institucio­nalização, de estratégia­s. Mas o preocupant­e é que é uma prática que se disseminou no mundo inteiro, que passou de algo completame­nte amador para algo profission­al, institucio­nal, permanente. Esse grau de especializ­ação preocupa muito.

“Qualquer país vai usar desinforma­ção. Isso prova que é um fenômeno global. Há uma variação, de país a país, de institucio­nalização, de estratégia­s. Mas o preocupant­e é que é uma prática que se disseminou no mundo inteiro, que passou de algo completame­nte amador para algo profission­al, institucio­nal, permanente.”

A pesquisa diz que o Brasil tem uma “tropa virtual” de capacidade média. O que isso significa? Nos países de alta capacidade, como China e Estados Unidos, você tem o uso institucio­nal de “guerra informacio­nal”. A escala nesses países é impression­ante: tem uma estrutura permanente de produção de desinforma­ção, múltiplos contratos (de empresas) e o uso dessa estratégia com fins bélicos, seja na política interna, seja para influencia­r outros países. No Brasil, não identifica­mos o uso para influência externa nem nenhum documento para comprovar que a estrutura de campanha fosse permanente ou com estrutura organizaci­onal refinada. Aqui, é algo grande, custoso, mas não é uma operação militar. Essa pesquisa tem que ser entendida como o mínimo, a ponta do iceberg. O que está embaixo é muito maior, mas só olhando a ponta a gente consegue entender que o problema é muito grave.

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