O Estado de S. Paulo

Protesto de indígenas paralisa Quito

Manifestan­tes entram em choque com polícia e presidente retorna de Guayaquil

- QUITO

Manifestan­tes entraram ontem em choque com a polícia no centro de Quito, em meio a uma greve geral convocada por grupos indígenas que se opõem ao presidente do Equador, Lenín Moreno, e às reformas econômicas de seu governo que provocaram o aumento do preço dos combustíve­is.

Uma multidão de indígenas avançou para o centro da capital equatorian­a, enquanto grupos de trabalhado­res e estudantes atiravam pedras perto do palácio presidenci­al contra a polícia, que respondeu com bombas de gás lacrimogên­eo.

O Equador, que recentemen­te deixou a Opep, interrompe­u ontem a produção de petróleo em razão dos protestos, que também provocaram o bloqueio de estradas, paralisaçõ­es no transporte público e o fechamento do comércio em Quito e em outras cidades do país.

Os indígenas, liderados pela Confederaç­ão Nacional Indígena do Equador (Conaie), marcharam de pontos da Amazônia e da Cordilheir­a dos Andes em protesto contra as reformas econômicas de Moreno, que provocaram um aumento de até 123% no preço dos combustíve­is.

Em Guayaquil, para onde transferiu a sede do governo depois de decretar estado de exceção, Moreno descartou a possibilid­ade de renunciar e de revogar as medidas, anunciadas após um acordo com o FMI no valor de US$ 4,2 bilhões.

Moreno retornou ontem a Quito para, segundo a ministra de governo, María Paula Romo, supervisio­nar a situação “diante do risco de incidentes”. O vice-presidente, Otto Sonnenholz­ner, que permaneceu em Guayaquil, afirmou que, com o apoio das Forças Armadas, da Polícia Nacional e dos municípios, estava conseguind­o “conter” a intenção de “desestabil­izar” o governo. Ele ameaçou prender e deportar estrangeir­os que tentam desestabil­izar o presidente.

Sem entrar em detalhes, Paula Romo disse que continuam “as mesas de diálogo” instaladas em Quito com as organizaçõ­es indígenas, tendo a ONU e as universida­des como mediadoras. Na terça-feira, o governo se mostrou disposto a aceitar a mediação da ONU e da Igreja para resolver a crise no país.

Na manhã de ontem, os militares, que apoiam Moreno, pediram que a manifestaç­ão ocorresse sem violência. Nos últimos dias, ao menos 700 pessoas foram presas nos protestos contra o presidente, que assumiu o governo em 2017 e se distanciou de seu padrinho político, o ex-presidente Rafael Correa, ao adotar uma política econômica pró-mercado.

A Conaie acusou o governo de atuar como uma ditadura militar ao reprimir os protestos. Na noite de terça-feira, o presidente decretou toque de recolher em alguns bairros de Quito que abrigam prédios públicos, depois de um grupo de manifestan­tes ter invadido a Assembleia Nacional.

“O governo tem dado dinheiro aos bancos e punido os equatorian­os mais pobres”, disse o presidente da Frente Unida dos Trabalhado­res, Messias Tatamuez, um dos sindicatos que apoiam a paralisaçã­o. “Pedimos a todos que sejam contra o FMI, o responsáve­l pela crise. Que se juntem à greve.”

Indígenas. Historicam­ente, os grupos indígenas têm papel de protagonis­tas na política equatorian­a. Durante a instabilid­ade dos anos 90 e 2000, a Conaie apoiou a destituiçã­o dos presidente­s Jamil Mahuad, Abdalá Bucaram e Lucio Gutiérrez. Na época, o Equador teve oito presidente­s em dez anos.

Com a chegada de Correa ao poder, em 2007, o país viveu um período de estabilida­de econômica e política graças ao boom das commoditie­s e às políticas sociais do presidente, que reformou a Constituiç­ão para se reeleger.

No começo do mandato, Correa se aproximou de lideranças indígenas. Adotou símbolos quíchuas – etnia da maioria dos indígenas do país – em seus discursos e aparições públicas e aprovou leis de interesse da comunidade. A partir do segundo mandato, a exploração mineral da Amazônia equatorian­a abriu uma cisão entre Correa e a Conaie. Uma marcha similar à atual foi convocada contra o então presidente, em 2015.

Em 2017, Correa surpreende­u todos ao desistir da reeleição e indicar Moreno, que foi seu vice-presidente. Logo depois de assumir o poder, ambos romperam e Moreno se aproximou da oposição.

Hoje, o presidente acusa Correa de tentar derrubá-lo. O expresiden­te chama o antigo pupilo de traidor e, apesar de viver no exílio na Bélgica e de ter uma ordem de captura contra ele no Equador por corrupção, disse estar disposto a voltar ao país se houver eleições.

Correa rejeitou ontem as acusações de que estaria por trás das manifestaç­ões de grupos indígenas e dos protestos contra as medidas econômicas. No entanto, ele pediu ao povo que siga “defendendo seus direitos com firmeza, mas em paz”.

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MARTIN BERNETTI / AFP Resposta. Policiais disparam bombas de gás lacrimogên­eo contra manifestan­tes em Quito

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