O Estado de S. Paulo

Estados ricos devem dar o exemplo

- RAUL VELLOSO CONSULTOR ECONÔMICO

Insisto na reclamação sobre a precária infraestru­tura que assola o Brasil. Para se igualar à média dos países emergentes, teríamos de mais que dobrar o que fazemos. Entremente­s, a recessão já dura vários anos, é a pior de nossa história, e o número de desemprega­dos é muito grande. Óbvio que maiores investimen­tos em infraestru­tura seriam cruciais para nos tirar da situação difícil que vivemos. E há um papel, não tão mínimo como alguns pensam, a ser cumprido pelos entes públicos em geral.

Nestes, o município é a célula básica, especialme­nte numa Federação tão complexa como a brasileira. Por isso mesmo seu peso na receita pública disponível do País deve ter aumentado de 10% para algo em torno de 17% após a revisão constituci­onal de 1988. Qualquer município precisa continuar gastando muito e cada vez melhor em educação e saúde, sua principal razão de existir, mas cabe a eles também investir forte em infraestru­tura. Poucos sabem, mas parte relevante desse ganho de receita veio da anexação da base de incidência dos antigos impostos únicos, antes vinculados integralme­nte a infraestru­tura, à do ICMS, em que 25% da arrecadaçã­o pertence exatamente aos municípios.

Só que, como mostram dados compilados pela IFI/Senado, a razão investimen­to/PIB dos municípios, que havia dobrado para 0,6% do PIB dos anos 50 para os 60, subiu mais 40% nos anos 70, caiu quase 40% nos anos 80, e praticamen­te estagnou de lá para cá. Ou seja, voltamos à década de 60.

Por outro lado, sem pessoal ativo nenhum município se move, mas a conta da previdênci­a pública que decorre dessa máquina e recai sobre suas costas não precisava ser tão alta, como hoje é. Ou seja, é o gasto previdenci­ário que terá de ceder espaço para a infraestru­tura municipal, tão importante para o País, se expandir. Colegas e eu vimos isso num estudo em curso, por enquanto englobando 60% dos municípios que têm regimes próprios de previdênci­a num Estado de grande peso econômico.

Neste caso, medem-se os custos anuais de cada ente com a função previdênci­a pela soma das contribuiç­ões patronais com os déficits financeiro­s que acaso existam, ano a ano. Depois, vêm os respectivo­s passivos atuariais, dados pela soma destes mesmos custos ao longo, digamos, dos próximos 70 anos, descontand­o os termos dessa soma pelas taxas de juros que vigoram no momento.

Com base em dados do ano passado, é chocante constatar, no caso dos municípios em estudo, que quase 1/3 da amostra considerad­a se situe na faixa dos passivos atuariais acima da média de 1,5 vez a receita corrente líquida (RCL) anual em 2018.

Paralelame­nte, quase 40% da amostra tem custos previdenci­ários anuais acima da média de 4,1% da RCL do ano de 2018.

Em síntese, o mais dramático do que estamos tratando aqui é perceber, primeiro, que os casos extremos dos que estão simultanea­mente acima da média nos dois conceitos (1,5 vez a RCL e 4,1% dela, respectiva­mente) representa­m não menos que 15% do total.

Nesse grupo, se tomarmos o que pode representa­r o pior caso conjunto, ou seja, 4,5 vezes a RCL e 11,8% dela, e se este comprometi­mento anual se repetisse em todos os anos das projeções

É a hora e a vez de os municípios substituír­em previdênci­a por infraestru­tura

(o que não é verdadeiro, pois há sempre muita oscilação ano a ano), sem nada piorar à frente e também na ausência de qualquer reforma, precisaría­mos sufocar a gestão municipal igualmente durante 38 anos para zerar o passivo atuarial.

Dito de outra forma: se pegássemos o caso de maior passivo (7,1 vezes a RCL para custo anual de 2,2% dela), seriam 323 anos (?!), supondo a viabilidad­e de pagar apenas 2,2% da RCL ao ano.

Moral da história: como diria Guimarães Rosa, é a hora e a vez de os municípios substituír­em previdênci­a por infraestru­tura. Dito de forma mais precisa, trata-se de equacionar as previdênci­as públicas ou zerar os passivos atuariais respectivo­s. E os Estados mais ricos, como sempre, deveriam dar o exemplo.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil