O Estado de S. Paulo

UMA CASA NA AMAZÔNIA

- /SOFIA PATSCH

Há 10 anos o ator Thiago Cavalli largou uma vida sem sentido em SP e, como diz a música de Caetano Veloso, sem lenço e sem documento foi parar numa casinha abandonada às margens do rio Tupanas, no Amazonas. O local virou a ONG Casa do Rio. Hoje a instituiçã­o ajuda na alfabetiza­ção de crianças e jovens, desenvolve um projeto com as mulheres da região através do artesanato, batizado de Teçume – que levou o trabalho manual das mulheres da região com a palha para o mercado de luxo, através de parcerias com marcas como Cris Barros, Yael Sonia e DVF. Além de atuar em muitas outras frentes que visam empoderar a comunidade amazônica. Confira entrevista a seguir.

Como surgiu a Casa do Rio? Era julho de 2009, eu havia abandonado de uma só vez o psiquiatra e o Citalopram. A diretora de teatro francesa Léa Dant, com quem trabalhava, havia passado um exercício de preparação dos atores propondo: “Façam algo que nunca fizeram antes”. Bom, eu já tinha feito muita coisa – o que incluía descer pelado a Rua Augusta, nos seus tempos áureos, até ser expulso da festa do Festival de Cinema em Cuba, quando Fidel ainda mandava. O insight veio numa festa na casa de uma amiga: resolvi ir tão longe quanto minhas milhas pudessem me levar. E o mais distante que eu poderia ir era Manaus. E assim fui.

Você chegou, literalmen­te, sem lenço e sem documento? Na mochila só cabiam minha câmera e uns dois pares de roupa. Ao pôr os pés fora do aeroporto, levei uma porrada: o bafo quente e úmido. Umas oito horas depois de atravessar o Rio Amazonas, rodar 200 km de estrada enlameada e mais uma hora de canoa, aportei no único lodge do rio Tupana. Era tudo verde e água. Encontrei uma casinha abandonada há anos e com a ajuda do livro ‘Manual do Arquiteto Descalço’, do holandês Johan Van Lengen, nasceu a Casa do Rio, que num primeiro momento era uma residência artística.

Mas também funciona como escola de alfabetiza­ção?

No Tupana, a educação, assim como a luz, não é para todos. E foi depois de muito insistir por uma escola com a Prefeitura do Careiro – município mais próximo – que nós desistimos do governo. A varanda da Casa do Rio se tornou a sala de aula para 25 jovens que chegavam às sextas-feiras, pois precisam trabalhar com a família durante a semana, e iam embora no domingo à tarde. No ano seguinte, o secretário de Educação nos ofereceu uma escola. Claro que sem salário, mas a gente não pode recusar a chance.

Como mantinha a escola? Ficava pedindo dinheiro para comprar material e manter a escola, uma vez que a prefeitura não cumpria totalmente sua função. E também queria desenvolve­r outros trabalhos. Assim foi preciso fundar uma associação, em 2014, a Casa do Rio virava uma Organizaçã­o da Sociedade Civil.

Como começou o trabalho com as mulheres da região, com a Teçume?

As mulheres eram social e economicam­ente invisíveis. Elas plantam, caçam, pescam, cuidam das crianças, dos maridos, da comida e da roupa, mas quem toma as decisões e pega no dinheiro são os maridos. Era uma situação incômoda, então decidimos formar um grupo de 11 mulheres e trabalhar o artesanato e o feminino – e deu certo.

Conte um pouco mais desse trabalho.

Hoje as mulheres da Teçume empregam filhos e maridos e são a maior fonte de renda da família. Viajam para feiras, participam de reuniões, fazem negócios, dão entrevista­s e são famosas nos município. Neste meio tempo, começamos a fazer parcerias com marcas de luxo, que entenderam que um objeto portava uma Amazônia respeitada e tradiciona­l e principalm­ente a autonomia de mulheres. Hoje são donas de suas vidas.

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