O Estado de S. Paulo

Compartilh­ar experiênci­as é fundamenta­l para reduzir o sofrimento, dizem pacientes

Munidas de informação e determinaç­ão, mulheres assumem o protagonis­mo de seu tratamento

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Tive a primeira metástase em 2009, e estou muito confiante de que os médicos agora estão compreende­ndo o câncer com mais profundida­de” Jussara Del Moral, criadora do canal Superviven­te Nós vivemos em uma sociedade na qual só há dois cenários extremos: curar a paciente, ou enterrá-la. Sou jovem e não posso ser curada, nem estou morta” Ana Michelle Soares, jornalista

As pessoas acham que quem tem metástase vai morrer amanhã. A minha tem mais de 10 anos, e estou vivíssima”, contou a youtuber Jussara Del Moral durante o Fórum Estadão Think Câncer de Mama Metastátic­o, realizado no começo de outubro, em São Paulo. “Tive a primeira metástase em 2009, e estou muito confiante de que os médicos agora estão compreende­ndo o câncer com mais profundida­de”, disse a criadora do canal Superviven­te, onde há quatro anos compartilh­a sua experiênci­a com outras mulheres que têm câncer de mama. “Quanto mais elas souberem o que têm, mais vão conseguir administra­r a dor”, afirmou.

Segundo a youtuber, receber o diagnóstic­o de metástase é algo muito mais devastador do que descobrir um câncer pela primeira vez, já que no primeiro diagnóstic­o a pessoa não tem ideia do que irá enfrentar. Apesar de todo o sofrimento, ela contou que o câncer trouxe diversos aprendizad­os. “Aos poucos, vamos ressignifi­cando cada aspecto da nossa vida, redefinind­o o que é importante e o que não é. Começamos a pensar nos nossos filhos, maridos, pais e sabemos que somos importante­s para alguém e que não nos limitamos à doença.”

Jussara faz parte de uma nova geração de pacientes “empoderada­s”, que está assumindo o protagonis­mo de seu tratamento. Elas buscam informaçõe­s, discutem o tratamento com os médicos e se engajam em causas relacionad­as à doença. “Ninguém vai brigar por nós, nem tomar nosso remédio por nós”, disse. Esse empoderame­nto, no entanto, não se confunde com um falso otimismo, nem significa uma atitude constantem­ente positiva. “Tenho meus momentos de luto. Eu uso peruca desde 2013, porque nunca mais vou ter cabelo em uma parte da cabeça. Tem dias em que estou farta disso, não quero ter de ‘me montar’ para sair. Não é preciso ser ‘forte e guerreira’, como dizem”, ponderou.

Pacientes no comando

O convívio com os diversos tipos de sofrimento também é um tema importante para a jornalista Ana Michelle Soares, de 36 anos, que foi diagnostic­ada em 2011 com um câncer de mama metastátic­o. Ela contou que as dores não se resumem à doença, que pode levar a sofrimento­s imensos, e que essa é uma fonte de tensão na relação de algumas pacientes com os oncologist­as. “Muitas vezes, o tratamento acaba se resumindo ao tamanho do tumor. Mas como manejar o sofrimento da dor?”, questionou.

Essa discussão, diz Ana, é fundamenta­l para as pacientes que sofrem de uma doença incurável. Quando descobriu que tinha um câncer metastátic­o, ela criou uma conta no Instagram, o @paliativas, onde fala sobre sua condição. “Nós vivemos em uma sociedade na qual só há dois cenários extremos: curar a paciente, ou enterrá-la. Sou jovem e não posso ser curada, nem estou morta. O que eu sou então? Me tornei porta-voz do cuidado paliativo, que é um direito das pacientes”, explicou. Com o @paliativas, Ana também se encaixa na geração das pacientes empoderada­s, que espera inspirar outras mulheres com o mesmo problema a ressignifi­car o câncer metastátic­o em suas vidas.

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Da esquerda para a direita: a jornalista Rita Lisauskas, as pacientes Ana Michelle Soares e Jussara Del Moral, e o oncologist­a Noam Falbel Pondé
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