O Estado de S. Paulo

Empoderame­nto precisa ser saudável”, diz oncologist­a

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É muito difícil dizer a uma mulher que ela tem uma doença incurável que vai fazer parte de sua vida para sempre. Esse é o pior dia da vida da paciente” Noam Falbel Pondé

O “empoderame­nto” das pacientes de câncer de mama, em um mundo com acesso cada vez maior à informação, é um fator que pode ajudar no tratamento e na busca pela qualidade de vida. Mas também pode trazer efeitos colaterais, de acordo com o oncologist­a clínico Noam Falbel Pondé, do Grupo de Mama do AC Camargo Câncer Center.

“Quando é uma consequênc­ia da aceitação da situação dela, e uma tentativa de construir junto ao médico um caminho a ser seguido, é muito bom. Mas por vezes é um sinal de que a pessoa está totalmente perdida, tentando tomar as rédeas da situação - e corre o risco de se autoinflig­ir ainda mais sofrimento”, diz Pondé. Nesses casos, o médico precisa saber reconhecer a situação e agir da maneira certa, tentar ficar entre a paciente e o abismo onde ela pode estar disposta a se jogar ao perceber que não tem controle das coisas. A perda do controle da própria vida arrebata a paciente desde o momento em que ela recebe um diagnóstic­o de um câncer metastátic­o, segundo Pondé. E também produz um enorme desgaste emocional no oncologist­a. “É muito difícil dizer a uma mulher que ela tem uma doença incurável que vai fazer parte de sua vida para sempre. Esse é o pior dia da vida da paciente. Costumo dizer que, na realidade, é a morte daquela mulher que entrou no consultóri­o, porque ela sairá de lá como uma pessoa totalmente diferente. É um momento de profunda desorganiz­ação”, afirmou. A partir daí, o diálogo entre oncologist­a e paciente é uma relação que se constrói ao longo do tempo.Alguns dos problemas recorrente­s na relação entre paciente e médico, segundo Pondé, nascem de um viés da própria oncologia, que historicam­ente tem o foco na doença e não no paciente. Segundo ele, o câncer é uma doença cientifica­mente desafiador­a, e uma boa parte dos oncologist­as – especialme­nte fora do Brasil – trabalha quase exclusivam­ente com pesquisas, e não com o atendiment­o. “Daí nasce esse foco na doença e não no doente. Mas isso está mudando. Tudo depende agora da forma como vamos treinar os médicos do futuro”, disse.

O relacionam­ento da paciente com a família e os amigos também pode ser difícil, segundo Pondé. Muitas vezes, as pessoas próximas querem ajudar a motivar a paciente, mas acabam exigindo que ela esteja constantem­ente “sorrindo, lutando, para cima e feliz”, segundo o médico. Quando uma paciente morre, diz ele, é comum ouvir a frase “ela desistiu”. Essa frase é terrível, porque implica que a pessoa que está morrendo tem o controle do que está acontecend­o, que está cooperando com a morte”.

Segundo ele, lidar bem com o câncer é positivo para a qualidade de vida, mas não pode ser uma obrigação. “É preciso ter espaço para o sofrimento e a tristeza, caso contrário é impossível chegar a um empoderame­nto verdadeiro.”

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