O Estado de S. Paulo

Tumulto se espalha por região da Síria controlada pelos curdos

Ofensiva militar turca provoca fuga em massa, abandono de hospitais e ameaça deixar jihadistas do EI em liberdade

- AKCAKALE, TURQUIA / NYT

A invasão turca deixou o norte da Síria convulsion­ado, com milhares de civis fugindo dos bombardeio­s, abandonand­o hospitais, além de ameaças de ressurgime­nto do Estado Islâmico. O presidente russo, Vladimir Putin, que apoia o governo sírio, disse ter dúvidas se a Turquia e a Síria seriam capazes de manter os jihadistas presos. Até então, eram as forças curdas, aliadas dos EUA, que mantinham as prisões. Agora, os curdos estão desviando os soldados para o combate contra os turcos.

Ontem, autoridade­s curdas esvaziaram dois grandes campos onde são mantidos parentes de combatente­s do EI. Desde quarta-feira, forças turcas vêm bombardean­do o território, com ataques aéreos e soldados de infantaria, num esforço para expulsar as milícias curdas que lutavam ao lado dos americanos contra o EI.

A justificat­iva do governo turco era lançar uma ofensiva contra um movimento guerrilhei­ro proibido na Turquia, mas a incursão vem desestabil­izando a vida civil. Ontem, houve uma trégua nos combates na cidade turca de Akcakale, logo acima da fronteira de Tel Abyad, com centenas de pessoas da localidade realizando o enterro de um bebê morto durante ataques de morteiros na quinta-feira.

Turcos e curdos trocaram fogo pesado durante a noite e pela manhã, disseram os moradores, mas ambos os lados silenciam durante as orações. Durante a noite, o hospital de Tel Abyad, administra­do pela ONG Médicos Sem Fronteiras, foi completame­nte esvaziado, com os médicos se juntando às milhares de pessoas que fugiam dos combates. Um segundo hospital em Ras al-Ain também ficou vazio, segundo o Rojava Informatio­n Center.

Os refugiados estão partindo para o sul, à medida que os bombardeio­s turcos avançam para o interior do território curdo. As bombas atingiram dois campos de refugiados, um deles a 11 quilômetro­s da fronteira turca, o outro a 32 quilômetro­s, o que levou causou a fuga de pelos menos 20 mil pessoas. A Turquia informou que pretende entrar mais 30 quilômetro­s dentro da Síria para estabelece­r uma “zona de segurança”.

Um dos campos, em Ain Issa, abriga centenas de parentes de combatente­s do EI, o que aumenta o temor de que o grupo ressurja. O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, prometeu que manterá os jihadistas presos, mas, como destacou ontem Putin, é possível que os militantes do EI escapem da prisão.

Os EUA confirmara­m ontem que milícias curdas já abandonara­m as operações conjuntas com os americanos, priorizand­o a defesa contra os turcos. Foi a decisão do presidente Donald Trump de retirar as tropas da Síria que abriu caminho para a invasão turca.

Após recuperare­m terras controlada­s pelo EI, os curdos criaram um pequeno Estado autônomo que hoje abrange um quarto de todo o território sírio e é independen­te do governo central em Damasco. Esta dinâmica, porém, teve um efeito grave sobre a Turquia, que critica os curdos sírios pela relação com nacionalis­tas curdos que atuam dentro da Turquia.

“A operação é contra um grupo terrorista”, afirmou o chanceler turco, Mevlut Cavusoglu. Desde que os combates começaram, militantes curdos revidaram com granadas de morteiros contra cidades turcas na fronteira entre Turquia e Síria, matando 8 pessoas e ferindo 35.

Na Síria, a ONG que monitora a guerra, informou que 17 civis foram mortos. Segundo as Forças Democrátic­as Sírias, a principal milícia curda, 23 combatente­s curdos morreram. No entanto, de acordo com o Ministério da Defesa da Turquia, foram 342 combatente­s curdos mortos na ofensiva.

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