O Estado de S. Paulo

Educação e saúde da família

- ROBERTO MACEDO ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), PROFESSOR SÊNIOR DA USP, É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

Proponho reforçar a educação na primeira infância, definida como a que vai do pré-natal até os 5 anos de idade, com ênfase nos três primeiros. E alcançando mais as famílias carentes com crianças nessa fase da vida. O título acima fala de saúde porque esta proposta pega carona no bem-sucedido Programa Saúde da Família, cujo nome atual é Estratégia Saúde da Família (ESF).

Há muitas propostas para aprimorara educação no Brasil, em geral focadas emmeios como formação de professore­s, gestão e avaliação, bases curricular­es, etc. Mas é indispensá­vel incluir as famílias nesse processo, particular­mente na primeira infância, sem o que o futuro de milhões de crianças ficará comprometi­do.

Ao pensar no assunto, levei em conta minha experiênci­a de vida. Ora, avidaé você e as circunstân­cias, como disse o filósofo Or te gay Gasset. Tive circunstân­cias educaciona­is muito favoráveis, pois minha mãe deixou o magistério para cuidar dos seus oito filhos. Na época, famílias desse tamanho eram comuns. Ela levou todos à escola, e nossa casa era também uma escola, pois ela ensinava várias coisas, e cobrava desempenho escolar. Havia também muitos livros e até jornais diários, que atraíam nossa atenção. E jogos infantis, muita conversa com ela e entre irmãos, tudo isso estimuland­o nossa cabeça já na primeira infância. E, ainda, a interação com os filhos de famílias vizinhas, também ajudando no desenvolvi­mento intelectua­l e social.

Bem depois, percebia enorme importânci­a disso pelas pesquisas de JamesHec km an, professor da Universida­de de Chicago, No belde Economia em 2000. Hoje ele tem um instituto onde expõe suas ideias e propostas, inclusive em português (ver heckmanequ­ation.org/resource/language/portuguese/).

Masque equation, ou equação,ées saque intitula esse site? É aso made 1) investirem recursos educaciona­is e de desenvolvi­mento humano em famílias carentes, de modo a darlhes acesso igualitári­o a um desenvolvi­mento humano precoce e bem-sucedido; 2) desenvolve­r habilidade­s cognitivas e sociais nas crianças do nascer aos 5 anos de idade; 3) sustentar (2) com educação eficaz até a fase adulta. A soma resulta em ganhos na forma de uma força de trabalho mais capaz, produtiva e valorizada, que pague dividendos ao País em gerações vindouras.

Enfocarei apenas a segunda parcela dessa soma, a da fase até os 5 anos de idade, e os ganhos citados. Começando por estes, Heckman, com base em pesquisas sobre o desenvolvi­mento de crianças até a fase adulta em grupos sujeitos a diferentes condições de vida, sintetiza os resultados num gráfico intitulado O desenvolvi­mento na primeira infância é um investimen­to inteligent­e: quanto mais cedo o investimen­to, maior o retorno. O gráfico tem no seu eixo vertical a taxa de retorno do investimen­to em capital humano e no horizontal, as fases da vida, começando na pré-natal e seguindo pelas faixas de 0 a 3 anos, de 3 a 5, em idade escolar e em idade pós-escolar. Mostra uma curva em que o retorno maior é o do investimen­to na fase pré-natal e a partir daí esse retorno decresce continuame­nte.

Segundo o site, o “trabalho inovador do professor Heckman com um grupo de economista­s, psicólogos do desenvolvi­mento, sociólogos, estatístic­os e neurocient­istas tem mostrado que a qualidade do desenvolvi­mento na primeira infância influencia fortemente os resultados econômicos, sociais e de saúde para os indivíduos e para a sociedade como um todo”.

Pelo que sei e vi em vídeos no YouTube, o investimen­to na fase pré-natal é uma questão de saúde, incluída a nutrição, da mãe, em que as famílias mais carentes de recursos sofrem mais. Na fase de 0 a 3 anos de idade é preciso estimular a criança no seu desenvolvi­mento cerebral de várias formas, entre elas falas frequentes das mães aos filhos, fazendo com que conheçam coisas e suas utilidades, mais jogos envolvendo objetos de várias formas e convívio com outras crianças. Esse processo segue na fase de 3 a 5 anos, quando a criança já tem maior capacidade de raciocínio e comunicaçã­o.

Sobre a ESF, estudo realizado em 2018 por Luiz Felipe Pinto, professor da Faculdade de Medicina da UFRJ, e Ligia Giovanella, pesquisado­ra da Fundação Oswaldo Cruz, intitulado Do Programa à Estratégia Saúde da Família (omiti o subtítulo), mostrou que houve forte aumento do acesso a essa iniciativa, pois entre 1998 e 2017 a cobertura de pessoas cadastrada­s pela ESF passou de 4,4% de da população para de 70%, e entre 2001 e 2016 a taxa de internaçõe­s por condições sensíveis à atenção básica caiu 45%. Os autores concluem ser “bastante plausível” que essa queda esteja vinculada ao avanço da cobertura da ESF.

Outros dados também confirmam o enorme tamanho dessa cobertura. Segundo o Ministério da Saúde, em 2017 a ESF alcançava 5.496 municípios, tinha 39.872 equipes, e eles receberam recursos no valor de R$ 3,012 bilhões. Cada equipe é composta por pelo menos um médico, um enfermeiro, um auxiliar técnico de enfermagem e agentes comunitári­os de saúde.

Nesse contexto, proponho: 1) reforçar a ação da ESF na fase pré-natal, incluída a nutrição; 2) incluir em cada equipe um ou mais especialis­tas em educação para aconselhar as mães sobre as ações que devem adotar para o desenvolvi­mento mental e social de suas crianças, levando livros e brinquedos adequados a esse desenvolvi­mento; e 3) mudar a sigla ESF para EESF, o segundo E sendo de Educação.

Sei que no Ministério da Cidadania há o programa Criança Feliz, nas linhas do aqui proposto, mas sem o alcance da Estratégia Saúde da Família. E não é por cobrir apenas as crianças, pois o número de municípios que aderiram a ele é bem menor, 2.600. Seria o caso de passá-lo à EESF, o que traria integração e ganhos de escala ao conjunto das atividades.

O investimen­to em educar na primeira infância é o que tem o maior retorno

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil