O Estado de S. Paulo

Novos ventos para a energia

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Asubstitui­ção de energias poluentes, como carvão, petróleo ou gás, por fontes renováveis é um processo irreversív­el e global. Há até um termo forjado no mundo das finanças para se referir ao capital investido nas fontes tradiciona­is: “stranded fossil fuel assets” (ativos encalhados de combustíve­is fósseis). Enquanto as fontes fósseis são geografica­mente restritas a alguns países, as renováveis podem ser desenvolvi­das por todos. Segundo a ONU, até 2050 energias renováveis como a solar, a eólica, a geotérmica, a marítima e outras poderão abastecer 80% da demanda mundial.

Assim, descoberta­s como a do pré-sal precisam ser intensamen­te exploradas, porque, a longo prazo, por mais rentáveis que sejam, estão com os dias contados. O Brasil já tem uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo, menos por consciênci­a ambiental do que por fatores geográfico­s e históricos. O petróleo e o carvão, principais comburente­s da revolução industrial, eram recursos escassos no território nacional, que, por outro lado, foi abençoado com caudalosas bacias hidrográfi­cas. O desenvolvi­mento das grandes usinas conseguiu literalmen­te “eletrizar” o País, gerando empregos, mobilizand­o setores como o da construção e oferecendo energia a preços competitiv­os. Mas mesmo esse modelo dá sinais de esgotament­o. As melhores oportunida­des estão na Amazônia, porém os riscos de impacto ambiental têm imposto um freio prudente à sua expansão indiscrimi­nada.

Segundo estudo do Instituto de Tecnologia de Massachuse­tts (MIT) sobre pesquisa e inovação no Brasil, as melhores perspectiv­as estão em áreas nas quais as empresas nacionais já estão na fronteira tecnológic­a, como biocombust­íveis e “química verde”. Mas há um imenso potencial nas energias eólica e solar, ainda que Europa e China estejam bem à frente, de modo que num futuro próximo as perspectiv­as são mais de adaptação de novas tecnologia­s do que de criação. Até pouco tempo, dois obstáculos minavam este potencial, relegando estas fontes a uma posição acessória: um natural, a sua intermitên­cia, e outro político, a governança precária. Nos últimos anos, ambos vêm sendo vencidos, respectiva­mente com tecnologia­s de estocagem e novas regras, com ganhos imediatos não só ambientais, como econômicos.

No caso específico da energia solar, como mostrou reportagem do Estado, em três anos os sistemas de geração de energia solar se multiplica­ram de 8,7 mil para 111 mil, um avanço de 1.181%. O apelo aos painéis solares começou com as mudanças nas regras do setor de energia, em 2012, que deram mais liberdade ao consumidor para eleger suas fontes de eletricida­de. No mesmo período, enquanto as tarifas de eletricida­de subiam quase 90%, mais que o dobro da inflação, o preço dos painéis solares caía cerca de 40%. Isso atraiu, primeiro, os clientes residencia­is e, mais recentemen­te, as empresas. Para estas, além da redução na conta de luz, o modelo sustentáve­l traz retornos à marca – facilitand­o inclusive o acesso a linhas de crédito.

Agora, o País chega a um momento importante de definições na regulament­ação do setor. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) propõe que os proprietár­ios de um sistema fotovoltai­co passem a pagar encargos e custos da rede de distribuiç­ão, o que não acontece hoje. É uma faca de dois gumes. Segundo a Agência, isso desonerari­a os demais consumidor­es da rede. Mas representa­ntes do setor e usuários afirmam que isso poderia aumentar em 60% os custos de quem investe em geração solar, sufocando na raiz um mercado promissor, mas ainda incipiente. É uma posição consistent­e, afinal, no mundo inteiro a energia solar tem subsídios durante o desenvolvi­mento da fonte. A proposta da Aneel está em consulta pública desde o dia 18 de outubro. Merece toda a atenção de especialis­tas e autoridade­s, que precisarão desenhar políticas e estratégia­s para o setor. A vantagem é que, se os possíveis caminhos são muitos, o destino é inexorável: a energia do futuro virá cada vez menos do ventre da terra e cada vez mais do céu aberto – dos ventos e do sol.

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