O Estado de S. Paulo

‘Vai me torturar?’ questiona Heleno a deputada.

Ministro-chefe do GSI bate-boca com Sâmia Bonfim, do PSOL, chama golpe militar de 1964 de ‘contrarrev­olução’ e critica anistia

- Mariana Haubert / BRASÍLIA

O ministro do Gabinete de Segurança Institucio­nal (GSI), general Augusto Heleno, participou ontem de uma tensa audiência pública na Câmara, chamou de “contrarrev­olução” o golpe militar de 1964, disse que as Forças Armadas estão vacinadas contra “qualquer sintoma da ditadura”, mas não entrou em confronto com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSLSP), que defendeu um novo AI-5 no País. Questionad­o se repudiava a declaração de Eduardo, ele respondeu: “Eu não vou repudiar porque ele já repudiou.”

Heleno chegou a discutir com a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), que disse não ter se convencido das afirmações do ministro em defesa da democracia. Ela, então, insistiu para o general emitir uma opinião sobre o apoio do filho do presidente Jair Bolsonaro ao AI-5, o mais duro conjunto de leis da ditadura militar, em 1968, que resultou na cassação de direitos políticos e no fechamento do Congresso. “Não vou falar. A senhora vai me torturar para eu falar?”, perguntou.

Pouco antes, o ministro dizia que AI-5 era “uma coisa inconcebív­el”, que não passava “na cabeça” do governo Bolsonaro. “Eu posso garantir a todos que estão aqui presentes que, em relação aos militares das três Forças (...), as nossas gerações estão completame­nte vacinadas contra qualquer sintoma de ditadura, dessas coisas que ficam assustando aí as pessoas. Muitas vezes (isso) é bandeira para quem não tem muita coisa para inventar e inventa isso aí.”

Foi ao repetir que frases de uma entrevista dada por telefone ao Estado, na semana passada, haviam sido distorcida­s, que Sâmia fez a pergunta mais direta ao ministro. A deputada disse que Bolsonaro chamava o golpe militar de 1964 de “revolução” e afirmou ver um “flerte” do general com a ditadura. “Há duas visões da história do Brasil. Na minha opinião, não foi golpe. Foi contrarrev­olução. Se não houvesse contrarrev­olução, hoje o Brasil seria uma grande Cuba”, afirmou Heleno, dirigindo-se a Sâmia.

“A senhora foi doutrinada pela esquerda. Do mesmo jeito que a senhora nos acusa de torturador­es, e eu não posso estar incluído nisso aí, pois era um mero tenente, nós conseguimo­s com o período militar fazer uma anistia que levou uma terrorista à Presidênci­a da República”, emendou ele, em referência a Dilma Rousseff, presa e torturada na ditadura.

Na semana passada, em entrevista ao Estado, Heleno havia defendido Eduardo, que pregou a edição de um novo AI-5 se houver “radicaliza­ção” da esquerda no País, com protestos semelhante­s aos ocorridos no Chile. “Se (ele) falou, tem de estudar como vai fazer, como vai conduzir. Acho que, se houver uma coisa no padrão do Chile, é lógico que tem de fazer alguma coisa para conter. Mas até chegar a esse ponto tem um caminho longo”, disse, na ocasião.

Diante da repercussã­o negativa de suas declaraçõe­s, Eduardo Bolsonaro recuou e se desculpou. Mesmo assim, partidos de oposição, como PT, PSOL e PC do B, entraram com representa­ção no Conselho de Ética, pedindo a cassação do deputado. Heleno, por sua vez, disse depois que suas afirmações haviam sido deturpadas e que se tratava de uma conversa em “off”, embora a entrevista tenha sido gravada e o ministro tenha autorizado a publicação.

Convidado. General Heleno participou como convidado de audiência pública realizada pela Comissão de Integração, Desenvolvi­mento Regional e da Amazônia sobre o monitorame­nto dos movimentos sociais. O bate-boca com Sâmia não foi o único momento tenso da reunião. O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) quis saber como a área de inteligênc­ia do governo iria apurar as responsabi­lidades pelas queimadas na Amazônia. “O senhor acha que foi o presidente Bolsonaro que tocou fogo na mata?”, respondeu o ministro.

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GABRIELA BILO / ESTADÃO Democracia. Ao participar de audiência na Câmara, Heleno disse que AI-5 é ‘inconcebív­el’

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