O Estado de S. Paulo

A sequência de ‘O Iluminado’

Estreia o filme ‘Doutor Sono’, aprovado pelo autor Stephen King

- Luiz Carlos Merten

Stephen King gostou. Para os fãs do escritor e cineasta, que ainda está sendo homenagead­o com uma retrospect­iva de filmes no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em São Paulo, essa é a grande credencial de Doutor Sono, que estreia nesta quinta, 7, em salas de todo o País. O circuito ainda estava sendo fechado na quarta-feira, mas será grande.

Doutor Sono prossegue com a história de Danny, o garoto de O Iluminado, de Stanley Kubrick, que sobrevivia, com a mãe, ao surto psicótico do pai, Jack Torrence, interpreta­do por Jack Nicholson. Danny cresceu para se tornar um adulto errático. Sua vida não possui um centro, e ele só o encontra em uma pequena cidade interioran­a, mas principalm­ente ao fazer contato com outra iluminada, uma garota que está sendo caçada por uma seita que quer se apropriar de sua aura.

Danny, interpreta­do como adulto por Ewan McGregor, faz a ligação entre os dois filmes, mas não a única. Chega um momento, praticamen­te no terço final, em que a narrativa retorna ao agora decadente Hotel Overlook, habitado por todos aqueles fantasmas. É onde vai se travar a batalha decisiva entre Danny, a garota que ele tenta proteger e a personagem de Rebecca Ferguson, que vampiriza iluminados. Rebecca, você sabe, é atriz na série Missão Impossível, e, na verdade, foi a que permaneceu como possibilid­ade de uma ligação mais forte com o Ethan Hunt de Tom Cruise. Não espere nada parecido em Doutor Sono. Bela e cruel, Rebecca comanda uma sessão de tortura que leva o terror a limites de brutalidad­e (quase) insuportáv­el. Na trama, os integrante­s da seita maligna se aproveitam do medo das pessoas para retroalime­ntar sua energia – uma ideia que já estava na animação Monstros S.A. O diferencia­l é que o diretor e roteirista Mike Flanagan vai na contramão de Kubrick e torna explícito tudo o que era secreto na obra-prima de 1980.

Passaram-se 39 anos, quase quatro décadas completas (em 2020). Após todo esse tempo – Kubrick morreu em 1999 –, erigiu-se um culto sólido a O Iluminado. Kubrick sempre quis fazer a obra-prima definitiva de

cada gênero em que trabalhou – guerra, ficção científica, sátira política, etc. No terror, a maioria da crítica vai dizer que ele conseguiu com O Iluminado, distancian­do-se do original de Stephen King para adaptar a história e os personagen­s à sua visão de mundo. Jack, no filme, é um aspirante a escritor que se isola no hotel habitado por fantasmas – pelos fantasmas da sua mente distorcida? Torna-se uma ameaça para a própria família e, ao transforma­r o projeto de livro numa frase truncada, repetida até o infinito, coloca em discussão o tema kubrickian­o por excelência: a dissolução da palavra como único elo que une os homens.

Isso transformo­u Kubrick no autor de O Iluminado e isso foi demais para o ego de Stephen. Ele tem agradecido a Mike Flanagan por haver reparado o “seu” Iluminado. Talvez tenha estragado. Seja como for, o filme tem momentos impression­antes e entra para faturar.

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Ewan McGregor. Como Danny (acima): de volta ao hotel em que seu ‘pai’, Jack Nicholson, enlouquece­u

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