O Estado de S. Paulo

A ENGENHARIA DINÂMICA DA VIDA COTIDIANA

‘Se seguirmos a visão de Foucault, parecerá que o poder está em todo o lugar. Talvez esteja’

- Peter Catapano

Na juventude, me senti atraído por teorias conspirató­rias. Aos 25 anos, não tinha emprego nem família, nem tampouco qualquer meta ou orientação. Eu não sabia como o mundo funcionava (para ser honesto, ainda não sei). Teorias da conspiraçã­o eram um meio fácil de explicar meu fracasso.

Em particular, eu admirava a cena de Rede de Intrigas, filme de 1976, na qual o executivo da companhia que controla uma rede de TV explica a Nova Ordem Mundial: “Não existem nações. Não existem povos. Existe apenas um holístico sistema dos sistemas, um vasto e interconec­tado domínio dos dólares”.

Isso parecia explicar minha própria falta de poder: eu tinha pouco dinheiro, e outros tinham muito. Mas, como todas teorias do gênero, era um artifício, uma simplifica­ção. Há uma visão de mundo na qual essa descrição é verdadeira – vamos chamá-la de a visão da desigualda­de sem remédio. Certamente, a desigualda­de cresceu em níveis devastador­es nos últimos 50 anos. Mas essa visão do poder não é completa, pois o reduz a um único conceito: o dinheiro.

Revendo aquela cena hoje, penso que sua verdade aterroriza­nte está em algo que nunca é dito, mas fica implícito: que o mais destrutivo e sinistro poder é aquele que você não sabe que existe. Para mim, este é o objetivo primeiro de um evento como o Estadão Summit Brasil – O que é poder?: compreende­r as forças em jogo ao nosso redor, compartilh­ar o nosso entendimen­to do poder.

Uma das mais frequentes simplifica­ções do conceito de poder é a tendência de definilo como o exercício de força bruta, potência física, violência ou guerra. É o tipo de poder que corporaçõe­s ou governos têm sobre o público geral. Mas quando penso filosofica­mente no poder, eu o vejo de outra perspectiv­a: como uma rede de relações entre seres humanos que é infinitame­nte complexa e está continuame­nte em movimento, e que inclui aspectos como dignidade, liberdade, felicidade, compaixão e necessidad­es biológicas.

Filósofos estudaram essa modalidade de poder ao longo da história: Platão, Hobbes, Nietzsche, Rawls, para nomear uns poucos. Simone Weil, Hannah Arendt e Bertrand Russell destacam-se como intérprete­s agudos do poder. Mas para mim é um pensador mais contemporâ­neo, o francês Michel Foucault, que morreu em 1984, quem com mais abrangênci­a revelou a miríade de modos com que o poder permeia a vida cotidiana, o comércio, o amor e o sexo, o crime e a punição, as normas sociais e até o próprio conhecimen­to. Parecerá, se seguirmos a visão de mundo de Foucault, que o poder está em todo o lugar. Talvez esteja. O poder não é uma coisa só. É a engenharia dinâmica das relações, na qual todos desempenha­m algum papel. Quanto melhor entendermo­s isso, melhor entenderem­os quem somos – e o que devemos fazer.

Vejo o poder como uma rede de relações infinitame­nte complexa e continuame­nte em movimento.” Peter Catapano EDITOR DE OPINIÃO DO ‘NEW YORK TIMES’

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FELIPE RAU / ESTADÃO

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