‘Caça-morcegos’ mapeiam espécies da capital paulista
À noite, biólogos coletam espécies para exames em parque da capital
Pesquisadora coleta amostra de saliva de morcego durante trabalho no Parque Cidade de Toronto, zona oeste de São Paulo. Número de acidentes com o animal dobrou na capital neste ano.
Eles podem comer até metade do próprio peso em uma só noite. Ao contrário do que muitos pensam, enxergam bem e, embora assustem, não são vilões – pelo contrário. Em São Paulo, especialistas percorrem áreas verdes para catalogar as espécies de morcego da cidade. Na noite de uma terça-feira, o Estado acompanhou uma dessas expedições.
O trabalho de biólogos e veterinários da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente e do Centro de Controle de Zoonoses foi realizado no Parque Cidade de Toronto, na zona oeste. O objetivo era quantificar espécies e coletar material para exames na Universidade de São Paulo (USP). Uma das participantes foi a bióloga Adriana Ruckert, que estuda os animais há 16 anos. “Sou apaixonada por eles, são fascinantes”, diz Adriana, que não sai de casa sem pelo menos um brinco, colar ou anel que remeta ao mamífero da ordem Chiroptera, palavra que significa “mãos que se transformaram em asas”.
Durante o trabalho de montagem das redes de captura no parque, Adriana dá explicações sobre os morcegos. De grande porte, as chamadas
“raposas voadoras”, diz, não ocorrem no Brasil. Já em relação aos menores, há 43 espécies catalogadas só em São Paulo. “Um número considerável se levarmos em conta o tamanho da urbanização.”
Os mais comuns são os insetívoros, que comem mosquitos, moscas e besouros. “Alguns autores citam que eles podem comer mais de mil insetos em uma só noite”, diz Adriana, ressaltando o papel do animal no equilíbrio ambiental. Já os temidos hematófagos, que se alimentam de sangue, são encontrados em regiões de “borda” da cidade, como áreas periféricas, com mais árvores.
Enrico Bernard, presidente da Sociedade Brasileira para o
Estudo de Quirópteros, explica que o morcego é um animal estigmatizado, principalmente pela falta de conhecimento sobre suas contribuições à natureza. “Das 1.411 espécies, só 3 se alimentam de sangue e as 3 ocorrem no Brasil. O que ocorre é que, geralmente, há um alarmismo com mordidas.”
No parque, a equipe de pesquisadores monta as redes em uma área próxima das copas de árvores e do lago. “Está vendo essa movimentação de pássaros em busca de insetos em cima do lago? Daqui a pouco, serão os morcegos que estarão na caça deles, basta a noite chegar”, aponta Adriana.
Pouco depois, eles começam a aparecer nas redes, a maior parte da espécie Myotis nigricans, pequeninos, com 5 centímetros de comprimento e cerca de 5 gramas. Durante a noite, apesar de enxergarem bem, guiamse principalmente pelos sons que eles próprios emitem.
A sala de administração do parque se transforma em “laboratório” pelos pesquisadores. Os animais capturados vão sendo pesados e são coletadas amostras de saliva, sangue e fezes, que serão levadas para o laboratório da USP no Departamento de Microbiologia e Medicina Veterinária. Esses exames avaliam a saúde dos morcegos paulistanos com relação à raiva e servem para o levantamento de espécies na área urbana.
Ápice. A equipe trabalha de modo intenso até as 21 horas. E, quando os biólogos já estavam prestes a encerrar o expediente, surge a “estrela da noite”: um morcego que se alimenta de frutas, o Artibeus lituratus, imponente, e um dos maiores encontrados na cidade. “É uma fêmea e está amamentando”, explica Adriana, admirada.
Todos os animais são soltos na natureza após o estudo. Um aprendiz de biólogo se emociona ao liberar um dos pequenos após coleta das amostras. “Eles são lindos demais.”