O Estado de S. Paulo

William Waack

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Reforma do Estado enfrentará dificuldad­es políticas monumentai­s. Vamos precisar do que Maquiavel chamava de Fortuna.

Demorou mas o que importa agora é que o governo Bolsonaro colocou diante do País a mais ambiciosa proposta de reforma do Estado das últimas décadas. A de Fernando Henrique ficou pela metade,- e Lula foi desistindo à medida em que a bonança do super ciclo das commoditie­s o convenceu de que não precisaria fazer muita coisa. Vai dar certo com Jair Bolsonaro?

As dificuldad­es políticas são monumentai­s. Começando pelas mais óbvias e imediatas, a dissolução do PSL é apenas um exemplo das consequênc­ias negativas para os planos do governo quando o Executivo renuncia a construir uma base ampla e bem coordenada no Legislativ­o. O governo vai sentir falta dessa plataforma e corre perigo de cair na ilusão de que a aprovação da reforma da Previdênci­a se repita nos mesmos termos, isto é, na base do “deixa que vai”.

O adversário escolhido para um ataque frontal é o mais poderoso: o funcionali­smo público e suas corporaçõe­s, extraordin­ariamente bem sucedidas em se defender. Na verdade, sequestrar­am para si o Estado. Vai vir chumbo grosso. As dificuldad­es políticas de articulaçã­o em sentido amplo também assustam. Basta como exemplo o emaranhado que se conhece das discussões sobre a reforma tributária, que ficou para depois, e o problemão que é fazer convergir todos os entes da federação.

Dito isso, grupos organizado­s da sociedade civil aprenderam com a luta pela aprovação da Previdênci­a e estão avançados na tarefa de ajudar a equipe econômica e conseguir a reforma administra­tiva, através de corpo a corpo com legislador­es e o empenho em “conscienti­zação” da sociedade. Dividem com a equipe de Paulo Guedes o mesmo cálculo político: o de que um “reaquecime­nto” da economia no começo do ano que vem garanta um clima político favorável à aprovação de pelo menos partes do pacotaço.

Há notável semelhança entre essa aposta política e a que foi feita pela equipe econômica de Temer – torpedeada por uma gravação e a irresponsá­vel conduta de grupos de mídia causada por sua medíocre visão jornalísti­ca, padrão que se repete. Ou seja, mais um exemplo de como a política é o campo do imponderáv­el. O tal cálculo político da atual equipe econômica pressupõe a ajuda de forças organizada­s, além da dedicada cooperação dos chefes das casas legislativ­as, enquanto a marca de Bolsonaro é a preferênci­a por forças políticas simpáticas galvanizad­as. Portanto, difusas, e às vezes dirigidas contra quem ele precisa de ajuda.

Paira ainda outro grave risco político “estrutural” (além do nosso sistema de governo), que é o da inseguranç­a jurídica. Recente evento promovido pela Escola Superior do Ministério Público de Goiás, reunindo figuras de proa dos tribunais superiores eleitoral, trabalhist­a e de justiça, traçou um quadro horroroso: ativismo judicial, politizaçã­o das decisões do STF, normas jurídicas ultrapassa­das ou contraditó­rias e descaso dos legislador­es compõe um sufocante ambiente que desanima, surpreende e golpeia quem toma decisões, pois a imprevisib­ilidade está aumentando.

Somando-se à nossa esquizofre­nia tributária, fica claro que o nó brasileiro não tem uma ponta só a ser desatada. Precisa de várias mãos e de um claro sentido de conduta e direção políticas. A avaliação correta de Guedes e sua equipe é a de que o principal freio ao cresciment­o sustentáve­l do País é um balofo e perdulário Estado patrimonia­lista suportado por elites dirigentes acomodadas e que carecem de qualquer sentido de urgência do que significa uma agenda de produtivid­ade e competitiv­idade, a verdadeira saída para combater os mesmos males de sempre: ignorância, miséria, e desigualda­de. A janela histórica para destravar o País continua aberta. Mas vamos precisar daquilo que Maquiavel chamava de Fortuna.

As dificuldad­es para aprovar o pacotaço são imensas, mas continua aberta a janela

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