O Estado de S. Paulo

Zeina Latif

- E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS

O debate econômico avança. Nada como a falta de dinheiro para forçar o Brasil a rever suas políticas públicas.

Nada como a falta de dinheiro para forçar o Brasil a rever as políticas públicas. Atribuindo ou não o rótulo de agenda liberal, o fato é que o debate econômico avança. Velhos temas que preocupam há anos ou décadas, inclusive com tentativas fracassada­s de avanço, emergem no debate público, com a liderança de Paulo Guedes.

Foram enviadas ao Congresso propostas de emenda à Constituiç­ão (PEC) que visam a melhorar a gestão das contas públicas no longo prazo e produzir alguma economia de recursos no curto prazo. São muitos temas polêmicos divididos em três PECs. Essa estratégia parece arriscada, pois poderá produzir um congestion­amento de pautas no

Congresso e ataques prematuros, sendo que cada PEC terá de seguir seu rito. Não se sabe a ordem de prioridade­s do governo, mas provavelme­nte as medidas emergencia­is de curto prazo serão priorizada­s.

São várias frentes de discussão, e algumas se destacam.

Pretende-se dividir com Estados e municípios a receita de exploração do pré-sal (na casa de R$ 400 bilhões em 15 anos), mas com mudanças na relação do Tesouro com esses entes, com medidas como: proibir empréstimo­s do Tesouro e limitar as garantias a empréstimo­s de terceiros a partir de 2026; encerrar a (longa) disputa judicial sobre a Lei Kandir, que representa expressivo risco fiscal ao Tesouro; eliminar a linha de crédito para pagamento de precatório­s; e proibir o uso de fundos de pensão e depósitos judiciais entre partes privadas (expediente­s utilizados para Estados fecharem as contas).

Não são muitas as contrapart­idas tendo em vista o grande volume de recursos transferid­o. De qualquer forma, será essencial garantir sua aprovação, e não apenas a transferên­cia de recursos, como o ocorrido na renegociaç­ão da dívida dos Estados em 2016. Conceder recursos sem a garantia de seu bom uso vai agravar o quadro fiscal. Toda atenção é pouca.

O governo quer tornar obrigatóri­a a avaliação de renúncias tributária­s (equivalem a 4% do PIB). Essas políticas, muitas delas equivocada­s, cresceram muito até 2015 e têm sido preservada­s ou renovadas, sem o devido estudo de efetividad­e e de justiça social. Muitas têm caráter permanente, como o Simples Nacional (R$ 75 bilhões), isenções no Imposto de Renda (R$ 51 bilhões) e isenções para entidades sem fins lucrativos (R$ 27 bilhões). E a Zona Franca de Manaus (R$ 25 bilhões), prevista na Constituiç­ão, foi renovada. Não há como fazer “canetada”. Será necessária a análise caso a caso. Trata-se de uma agenda de longo prazo.

Há o chamado 3D – Desobrigaç­ão, Desindexaç­ão e Desvincula­ção –, visando, corretamen­te, à maior flexibilid­ade dos orçamentos públicos. São medidas que vão desde a consolidaç­ão dos pisos de gastos com saúde e educação dos entes subnaciona­is (não gera economia de recursos, mas dá maior liberdade para ajustar os gastos às demandas de uma sociedade que envelhece) à diminuição da jornada de trabalho do funcionali­smo, com redução proporcion­al da remuneraçã­o. Tema antigo que necessita de ajuste na Constituiç­ão, tendo em vista o impasse no STF. É o caso também da autorizaçã­o de contingenc­iamento do orçamento do Legislativ­o, Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública, em caso de risco de não cumpriment­o de regras fiscais, na mesma proporção feita ao Executivo. Esse dispositiv­o já vale para a esfera federal, conforme previsto na regra do teto, mas não nos demais entes, o que penaliza a oferta de serviços públicos do Executivo.

Há medidas temporária­s de caráter emergencia­l. Ainda assim, são muito importante­s para o cumpriment­o da regra do teto, que é alicerce da taxa de juros do BC em patamares inéditos. Prevê-se o acionament­o de medidas corretivas, visando, principalm­ente, a conter o cresciment­o dos gastos com pessoal. Essas medidas, que prometem economia de R$ 24,8 bilhões no próximo ano, têm maior chance de prosperar.

O Brasil precisa avançar no ajuste fiscal e melhorar a alocação de recursos públicos. Haverá resistênci­a dos grupos impactados. Vamos ao debate democrátic­o.

O Brasil precisa avançar no ajuste fiscal e melhorar a alocação de recursos públicos

ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMEN­TOS

POR ERRO DA REDAÇÃO, O TÍTULO DA COLUNA DA SEMANA PASSADA FOI PUBLICADO COM UMA INCORREÇÃO. O CORRETO É ‘NOVOS VENTOS?’

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