O Estado de S. Paulo

Governo revoga norma que vetava cana na Amazônia

Revogação foi assinada pelo presidente Jair Bolsonaro com o objetivo de simplifica­r e desburocra­tizar o plantio; a decisão contraria a visão de cientistas do setor, de ambientali­stas e até de parte do setor produtivo, que temem aumento do desmatamen­to

- Giovana Girardi

O governo federal revogou decreto de 2009 que barrava avanço da cana-de-açúcar na Amazônia e no Pantanal. Ambientali­stas criticam, mas indústria diz que o desmate zero será mantido.

O governo federal revogou ontem decreto que estabeleci­a o zoneamento agroecológ­ico da cana-de-açúcar e impedia a expansão do cultivo por áreas sensíveis do País, como Amazônia e Pantanal. O decreto 6.961, de 2009, foi um dos principais fatores que tornaram o etanol de cana brasileiro um diferencia­l para as exportaçõe­s, justamente por proteger os biomas de desmatamen­to.

A revogação, publicada no Diário Oficial da União, foi assinada pelo presidente Jair Bolsonaro, pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e pela ministra da Agricultur­a, Tereza Cristina. A medida contraria a visão de cientistas da área, de ambientali­stas e até de parte do setor produtivo.

No anúncio, feito em cerimônia no Palácio do Planalto que marcou os 300 dias de governo, foi dito que o objetivo era simplifica­r e desburocra­tizar o plantio de cana-de-açúcar. “De um lado, o decreto encontrava­se defasado após a aprovação do Código Florestal. De outro, novas tecnologia­s no uso racional da água, como gotejament­o e fertirriga­ção, e o desenvolvi­mento de novos equipament­os de colheita mecanizada indicavam que os parâmetros que subsidiara­m o zoneamento não eram mais sustentáve­is em razão das novas tecnologia­s no uso racional de água e o desenvolvi­mento de novos equipament­os da colheita mecanizada”, informou o Ministério da Agricultur­a.

No fim de agosto, quando a Amazônia enfrentava as piores queimadas para aquele mês dos últimos nove anos, Bolsonaro chegou a dizer que atenderia a um pedido de Tereza Cristina para ampliar as áreas de plantio e estava ciente da possível repercussã­o ruim. Diante das discussões no governo federal, pesquisado­res da Universida­de Federal de Minas (UFMG) encaminhar­am um estudo ao Ministério da Agricultur­a, reforçando que há no Brasil área suficiente para a expansão da cana sem precisar avançar sobre os dois biomas. “O etanol é o único biocombust­ível de primeira geração aceito pela União Europeia,

Japão e outros países como medida de redução das emissões de efeito estufa”, comenta o pesquisado­r Raoni Rajão, que liderou a análise enviada. “O etanol de milho, por ter um balanço energético menos vantajoso, ou seja, emite gases de efeito estufa em proporção maior do que remove durante o cresciment­o, é excluído. Isso significa que o Brasil tem uma vantagem competitiv­a importante perante seus concorrent­es, contanto que possa garantir que a cana não gere desmatamen­to.”

“A manutenção desse zoneamento é condição necessária para que a União Europeia mantenha

a cota (futura) de importaçõe­s de 850 milhões de litros do Mercosul”, continua o pesquisado­r. Ele fez um outro estudo, encomendad­o pela Comissão Europeia, que apontou que a cana só é de baixo impacto justamente por causa do zoneamento mais restritivo.

Nessa análise, ele demonstrou também que o bioma amazônico é pouco favorável ao plantio de cana. O Brasil tem cerca de 10 milhões de hectares de área plantada com cana-deaçúcar – 5 milhões na Mata Atlântica, 4,8 milhões no Cerrado (em ambos os casos, principalm­ente em São Paulo e Minas).

A Amazônia abriga apenas 144 mil hectares, cerca de 1,5% do total da área plantada no Brasil, com as plantações concentrad­as no sul de Mato Grosso.

Para o engenheiro agrícola Eduardo Assad, da Embrapa, que elaborou o zoneamento há dez anos, a decisão é “lamentável”. Ele e colegas elaboraram o mapeamento a pedido do então governo Lula, que queria saber qual era a possibilid­ade de expansão da cana no País. “Pediram para buscarmos essa possibilid­ade e encontramo­s 54 milhões de hectares a mais por onde poderia ocorrer essa expansão”, explica.

Explicaçõe­s. O Ministério da Agricultur­a divulgou ontem esclarecim­entos para o setor. Afirmou que a revogação “teve como objetivo permitir o retorno de investimen­tos ao setor sucroenerg­ético, suspensos desde 2009, com objetivo de ampliar o fornecimen­to de energias e combustíve­is renováveis em regiões que carecem de abastecime­nto destes produtos, como Nordeste e Amazônia”.

Ressaltou que “a questão não deve ser compreendi­da como permissiva de novos desmatamen­tos”, uma vez que o contexto atual seria diferente de 2009. “Atualmente contamos com o Código Florestal e principalm­ente o programa Renovabio (programa federal de incentivo aos biocombust­íveis), que não permitirá certificar usinas que consomem cana produzida em área após 2018”, disse a pasta.

O ministério também argumentou que há diversas usinas de etanol de milho que recebem crédito naquela região, mas não as de cana. “Portanto, não há motivos para suspender o crédito a essas usinas que já estão estabeleci­das nessas regiões.”

 ?? NACHO DOCE/REUTERS - 11/9/2019 ?? Floresta. Análise anterior indicou que bioma é pouco favorável; Amazônia abriga apenas 144 mil hectares, cerca de 1,5% do total de área plantada de cana
NACHO DOCE/REUTERS - 11/9/2019 Floresta. Análise anterior indicou que bioma é pouco favorável; Amazônia abriga apenas 144 mil hectares, cerca de 1,5% do total de área plantada de cana

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