Pedro Doria
Ao defender que Bolsonaro bloqueie quem quiser no Twitter, PGR usou argumento burocrático que mina debate democrático.
Estamos correndo o risco de entrar num mundo muito delicado: aquele no qual a compreensão de democracia se perde. Na quarta-feira, 6, o recém-empossado procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou para o Supremo Tribunal Federal (STF) um argumento em defesa de que o presidente Jair Bolsonaro possa bloquear quem quiser no Twitter. É um erro tremendo de compreensão do mundo digital, excesso de apego à burocracia, misturado com uma completa miopia a respeito do que é democracia.
Uma deputada federal, a potiguar Natália Bonavides (PT), entrou com mandado de segurança no STF se queixando de que o presidente a bloqueou após ambos discutirem, em 25 de agosto. Bolsonaro vem bloqueando políticos, jornalistas e cidadãos com alguma frequência nas redes sociais. Ele se sente neste direito.
Aras afirma que a conta de Bolsonaro na rede é pessoal, embora reconheça que o presidente a usa para informar sobre políticas públicas ou outros atos de governo. “As publicações no Twitter não têm caráter oficial e não constituem direitos ou obrigações da Administração Pública”, escreveu o procurador-geral. “O princípio da publicidade não pode ser interpretado de forma tão ampla que inclua em seu âmbito as condutas praticadas pelos agentes públicos em suas redes sociais pessoais.”
O apego à burocracia está dado: em essência, para Augusto Aras as obrigações de comunicação do presidente se limitam ao que é obrigação da administração pública. Provavelmente se refere a discursos no Planalto, transmissões em cadeia nacional e o Diário Oficial.
Pois não compreendeu, a respeito do mundo digital, aquilo que Bolsonaro entende bastante bem. Não compreendeu ou fingiu não compreender.
Jair Bolsonaro percebeu cedo, e com muito mais capacidade do que sua oposição, que as redes sociais aproximam o político de seu público, geram uma impressão de familiaridade, e mantêm um diálogo permanente com a nação.
Na fundação das primeiras repúblicas, jornais de um lado e do outro eram a principal plataforma de políticos. Qualquer um os comprava. Nos anos 1920 e 30, o rádio bem trabalhado por novos políticos criavam de outra forma este ambiente de intimidade. Entre os 1960 e 70 foi a televisão, usada para transmitir sorrisos, simpatia e uma aura de liderança. Em cada tempo, o veículo da época foi trabalhado para criar a impressão que o povo tem do chefe político. Este é o papel das redes sociais.
Bolsonaro as usa, também, porque aprendeu a lição da alt-right americana. Nas redes é mais fácil polarizar e manter um nicho da população vigilante a seu favor. Se ele pode impedir que qualquer brasileiro de quem discorde perca este contato, está primeiro afirmando que se recusa a falar com parcela da população. Pois, se ele escolhe se pronunciar por lives, constrói seus discursos via tuítes, e mobiliza por memes, ele não tem este direito. O presidente da República não escolhe com quem se comunicar. Ele responde a todos e quaisquer brasileiros. Não é o contrário. Até porque, em segundo ele se recusa assim a ouvir contra-argumentos. Numa democracia, não pode.
O presidente não se ausenta da praça pública. Enquanto tiver mandato, o que for a respeito da coisa pública ele fala em público e, em público, ouve. Aras usa um argumento burocrático para minar a essência do debate que sustenta a democracia. É um argumento que só pode se sustentar se ele não entende como funciona o digital.
Em julho deste ano a Corte de Apelações do 2.º Circuito, em Nova York, avaliou se o presidente Donald Trump poderia bloquear alguém em suas redes. Decidiu, por unanimidade, que a ideia era absurda. O caso será ouvido pela Suprema Corte. Ninguém espera um resultado distinto.