O Estado de S. Paulo

Elena Landau

- ELENA LANDAU E-MAIL: ELENA.LANDAU@EUSOULIVRE­S.ORG ELENA LANDAU ESCREVE QUINZENALM­ENTE

A verdadeira batalha em torno da ampla reforma fiscal proposta por Paulo Guedes será organizar as prioridade­s.

Mesmo que o resultado do megaleilão tenha jogado água no chope, esta foi uma boa semana para economia. O Relatório Focus aponta inflação baixa, redução da taxa básica de juros e melhora nas projeções para o cresciment­o de 2020. Sempre é preciso cautela com essas estimativa­s. Vamos lembrar que o ano começou com expectativ­a de 2,8% para o PIB e vai terminar perto de 1%. Claro que a crise da Argentina e a tragédia de Brumadinho atrapalhar­am. Mas não se pode desprezar o erro estratégic­o do governo de colocar todas as fichas na reforma da Previdênci­a, gerando uma paralisia dos investimen­tos no 1.º semestre.

A perda de momentum no Senado no 2.º semestre não abalou a fé dos investidor­es. Sem esses fatores negativos, a retomada cíclica aponta para um cresciment­o de, pelo menos, o dobro para ano que vem. Ainda medíocre. Se nada atrapalhar os bons ventos, pode-se pensar em algo próximo de 3%, segundo algumas das projeções do mercado. Oxalá.

Para ajudar no bom humor, Paulo Guedes, enfim, anuncia seu projeto para a economia. Mas o papel do ministro não se encerra com o envio do pacote ao Congresso. São inúmeras PECs a serem discutidas ao longo de 2020 e que afetam privilégio­s de grupos específico­s. O lobby dos descontent­es vai tentar convencer que o ajuste é ruim para todo mundo. O mesmo filme que se viu na Previdênci­a. O chefe da PGR foi rápido e já se manifestou contra a “injusta” redução de seu período de 60 dias de férias. A reforma da seguridade também atravessou uma guerra de narrativas durante dois anos e chegou este ano ao

Congresso madura para discussão. Ainda assim, sua aprovação se arrastou meses - deu até tempo da aprovação da PEC Paralela em 1º turno pelos senadores. O presidente interrompe­u o ritmo das discussões no Senado ao impor a indicação de um filho para uma embaixada. Prioridade­s.

O conjunto de mudanças não trouxe surpresas, é uma proposta de ampla reforma fiscal na linha já esperada. A verdadeira batalha será organizar prioridade­s e a sequência de votações, já que foram abertas muitas frentes ao mesmo tempo. Todo cuidado é pouco, toda a habilidade será necessária. Inexplicav­elmente a Zona Franca de Manaus mantém seus benefícios e algumas carreiras, como militares, juízes e procurador­es, ficaram de fora do aperto. Começou errado. A contribuiç­ão tem que ser de todos os segmentos. Se outras exceções forem concedidas – não faltará pressão –, podemos terminar com corte de gastos abaixo do projetado, no contexto de um novo pacto federativo que prevê a transferên­cia de recursos para estados e municípios.

Depois dos desacertos na insistênci­a com capitaliza­ção e CPMF, que nos fez perder um tempo precioso, Guedes entendeu que sem articulaçã­o política não se faz uma PEC, muito menos quatro. Maia e Alcolumbre já parecem estar comprometi­dos no esforço de aprovação. Da mesma forma, o STF precisa estar ciente de que regras para funcionali­smo e vinculaçõe­s orçamentár­ias devem mudar para diminuir despesas obrigatóri­as e abrir espaço para investimen­tos públicos. Mas, acima tudo, a sociedade deve estar convencida de que, se algumas categorias perdem, no conjunto, o país sairá melhor.

O governo também acena com um novo rito para as privatizaç­ões, seguindo um procedimen­to que propus em minha coluna passada, que é inverter o ônus da prova: a existência de uma estatal deve ser justificad­a, e não a sua desestatiz­ação. A proposta oficial não é tão ousada ao não incluir todas as empresas no projeto de uma vez, como eu sugiro. Petrobrás, por exemplo, fica de fora. Mas parece que as privatizaç­ões vão finalmente começar a andar. Com muitos meses de atraso, o PL para a venda da Eletrobras saiu muito semelhante à proposta de Temer. A boa novidade foi a retirada da golden share, já que não há nada de estratégic­o na operação da empresa, e afetaria negativame­nte o preço de venda. A União deverá manter ainda entre 30% a 40% de participaç­ão, exigindo um bom desenho de governança para blindar qualquer influência estatal na empresa e deixá-la imune a mudanças de governo.

Notícias boas na economia em tempos estranhos na política. Bolsonaro e seus filhos podem atrapalhar muito o andamento das reformas se continuare­m na mesma toada dos últimos dias. De uma tacada, destruíram sua frágil base parlamenta­r; atacaram a imprensa, parceira no convencime­nto sobre Previdênci­a; o Congresso, que deve aprovar as mudanças nas contas públicas, e o STF, que vai julgar sua constituci­onalidade.

Os arroubos autoritári­os da família vão num crescendo, chegando à ameaça de um novo AI-5. Bolsonaro finge que repreende os filhos e a vida segue. Não são apenas ações de um homem que não liga para o politicame­nte correto. São ataques à democracia liberal por parte do presidente da República. O propósito em gerar uma crise institucio­nal é cada vez mais evidente. Pode ser uma cortina de fumaça. Se Ustra é o herói, Chávez pode ser o modelo.

ECONOMISTA E ADVOGADA

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil