O Estado de S. Paulo

Eliane Cantanhêde

- ELIANE CANTANHÊDE E-MAIL: ELIANE.CANTANHEDE@ESTADAO.COM TWITTER: @ECANTANHED­E ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

O Supremo derrubou um instrument­o importantí­ssimo contra o crime, em especial o de colarinho-branco. A guerra agora se estenderá a outro fórum igualmente legítimo, o Congresso Nacional.

OSupremo finalmente cumpriu a ameaça de derrubar a prisão após condenação em segunda instância – instrument­o importantí­ssimo contra os crimes, em especial de colarinho branco –, mas é bom que se saiba que a guerra continua. Agora num outro foro também improvável, mas igualmente legítimo: o Congresso Nacional.

“Sim, a guerra continua”, concordou ontem a ex-procurador­a geral da República, Raquel Dodge, descartand­o o frágil argumento de que o “trânsito em julgado”, que se contrapõe à prisão em segunda instância, é cláusula pétrea da Constituiç­ão. Não é. Logo, pode ser mudada por Proposta de Emenda Constituci­onal (PEC).

Se fosse cláusula pétrea, argumenta ela, o Supremo jamais poderia ter admitido a prisão após a condenação em segunda instância, como até ontem, e, aliás, teria votado por unanimidad­e contra sua aplicação.

Como PGR (aliás, a primeira mulher a ocupar o cargo), Dodge assinou longo parecer contra nova mudança de entendimen­to. E, muito antes, quando a prisão em segunda instância voltou, era procurador­a junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e atuou para o cumpriment­o antecipado da pena passasse a valer rapidament­e.

Dodge, que tem no currículo também três anos na prestigiad­a universida­de de Harvard, elogia a firme decisão da ministra Carmen Lúcia que, em seus dois anos de presidênci­a do STF, se negou peremptori­amente a colocar em pauta, mais uma vez, uma questão já decidida pelo plenário em três oportunida­des muito recentes.

“Não há fatos novos nem mudança na composição do plenário”, diz a procurador­a, repetindo quase que literalmen­te os argumentos de Carmen Lúcia, que enfrentou ameaças, agressões, insinuaçõe­s e ironias, inclusive de colegas e em sessões transmitid­as ao vivo pela TV Justiça, mas não arredou pé da sua convicção. Seu sucessor na presidênci­a, Dias Toffoli, esperou mais de um ano para fazer o oposto e pôr em votação, mas já assumiu determinad­o a fazê-lo. Tardou, mas não falhou.

Como vem dizendo Dodge, o fim da prisão após segunda instância é um triplo retrocesso: falta de estabilida­de, com idas e vindas; perda de eficiência do sistema, com a volta de processos penais infindávei­s, recursos protelatór­ios e prescriçõe­s; risco de perda de credibilid­ade junto à sociedade, pela eterna sensação de impunidade, principalm­ente de réus ricos e poderosos.

Assim como os especialis­tas militares defendem pesados investimen­tos em Defesa e Forças Armadas para garantir o “papel dissuasóri­o” dos países, mesmo os mais pacíficos, como o Brasil, Raquel Dodge lembra da importânci­a da “força inibitória” da Justiça. Uma justiça efetiva, ágil e realmente justa (pleonasmo necessário) é fundamenta­l para inibir ímpetos criminosos e, portanto, os próprios crimes. A estabilida­de e a credibilid­ade são fatores inalienáve­is nessa direção.

Quanto à questão política, sobre a qual Dodge não fala, há que se destacar que se pode apoiar ou discordar da decisão do Supremo, mas esqueçam a possibilid­ade de rebeliões, manifestaç­ões imensas, tumultos.

Dizia-se que o impeachmen­t de Dilma Rousseff pararia o País, mas ele foi aprovado na mais santa paz. A presidente do PT previu que, se prendessem Lula, iam ter de “matar gente”. Lula foi preso, ninguém matou, ninguém morreu. E até a reforma da Previdênci­a, que gera os maiores tumultos mundo afora, foi aprovada sem protestos nem mesmo nos gramados do Congresso.

Logo, a arena de manifestaç­ões e ataques deve continuar restrita às redes sociais. Com muita histeria e grosserias, mas sem sangue, sem mortes, sem quebra-quebra. Fora isso, “a guerra continua” no Congresso, como concorda Dodge. O resto fica para o julgamento da história.

Não terá quebra-quebra, mas Dodge vê “triplo retrocesso” em decisão do Supremo

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