O Estado de S. Paulo

STF proíbe prisão após 2ª instância e abre caminho para Lula ser solto

Resultado é visto como derrota da Lava Jato; defesa diz que vai pedir hoje liberdade para o ex-presidente

- Rafael Moraes Moura Breno Pires / BRASÍLIA

O STF decidiu derrubar a possibilid­ade de prisão após condenação em 2.ª instância, considerad­a um dos pilares da Operação Lava Jato. A Corte entendeu, por 6 votos a 5, que um condenado tem o direito à liberdade até o fim de todos os recursos judiciais. A decisão abre caminho para que o ex-presidente Lula, preso desde abril de 2018 pelo caso do triplex do Guarujá, seja solto. A defesa informou que pedirá à Justiça a “imediata soltura” de Lula. Em nota, a força-tarefa da Lava Jato afirmou que decisão destoa do sentimento de “repúdio à impunidade e combate à corrupção”. Pelo menos 400 apoiadores do ex-presidente Lula comemorara­m o resultado na Praça dos Três Poderes soltando fogos de artifício. O voto de desempate do julgamento foi dado pelo presidente do STF, Dias Toffoli. “Não é com a prisão após condenação em 2.ª instância que se resolvem problemas de impunidade”, disse. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) indicam que 4.895 presos podem ser beneficiad­os pela decisão.

Por 6 a 5, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem derrubar a possibilid­ade de prisão após condenação em segunda instância, medida considerad­a um dos pilares da Operação Lava Jato. Em um julgamento que se estendeu por quatro dias e cinco sessões plenárias, a Corte entendeu que um condenado tem o direito de aguardar em liberdade a decisão definitiva da Justiça até o fim de todos os recursos. A decisão abre caminho para a soltura do expresiden­te Luiz Inácio Lula da Silva (PT), preso desde abril do ano passado, e é vista como a maior derrota da Lava Jato até agora.

O resultado provocou reações no Congresso, no Palácio do Planalto e no Ministério Público. Pouco após o julgamento, a defesa de Lula divulgou nota informando que levará à Justiça um pedido para que haja sua “imediata soltura” e, além disso, reiterará solicitaçã­o para que o Supremo julgue os habeas corpus que têm como objetivo declarar a nulidade do processo “em virtude da suspeição do exjuiz Sérgio Moro e dos procurador­es da Lava Jato”.

O voto decisivo para a reviravolt­a no atual entendimen­to do Supremo foi dado pelo presidente da Corte, o ministro Dias Toffoli, após mais de sete horas de sessão. “Não é a prisão após segunda instância que resolve esses problemas (de criminalid­ade), que é panaceia para resolver a impunidade, evitar prática de crimes ou impedir o cumpriment­o da lei penal”, disse ele, emocionado.

A libertação de réus presos não é automática, já que os juízes de execução vão analisar caso a caso. Podem até, em caratér excepciona­l, determinar prisões preventiva­s para punir réus que represente­m perigo para a sociedade, como estuprador­es e homicidas, ou para aprofundam­ento das investigaç­ões.

A mudança na jurisprudê­ncia do Supremo beneficiar­á 4.895 presos, de acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O Ministério Público Federal diz que 38 réus da Lava Jato poderão ser soltos. O mais ilustre deles é Lula, que foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá. Embora ele esteja inelegível, a cúpula do PT está certa de que poderá também derrubar esse obstáculo mais adiante.

De qualquer forma, a provável libertação de Lula mexe no tabuleiro da sucessão presidenci­al, em 2022, acentuando a polarizaçã­o entre a direita e a esquerda. O presidente Jair Bolsonaro

não comentou a decisão. Nos bastidores, no entanto, aliados do presidente disseram que a decisão foi decepciona­nte. O vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente, foi lacônico. “Meu Deus!”, escreveu no Twitter.

O Congresso poderá mudar o entendimen­to do Supremo para definir quando o investigad­o começará a cumprir a pena. “Não vejo problema de o Parlamento alterar esse dispositiv­o. Tem autonomia para isso”, disse Toffoli, em referência ao artigo 283 do Código de Processo Penal, que prevê a necessidad­e do trânsito em julgado – quando todos os recursos jurídicos são esgotados – para estabelece­r as condições da prisão.

O julgamento encerrado ontem foi sobre o mérito de três ações, movidas pelo Conselho Federal da OAB, PC do B e Patriota, que tratam sobre a execução antecipada de pena. Além do presidente do Supremo, votaram para derrubar a prisão após condenação em segunda instância os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello, Rosa Weber, Ricardo Lewandowsk­i e o relator das ações, Marco Aurélio Mello. Para a corrente majoritári­a do Supremo, a execução antecipada de pena fere o princípio constituci­onal da presunção de inocência previsto no artigo 5º da Constituiç­ão.

Na outra ponta, os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia se manifestar­am a favor de manter a prisão após segunda instância.

A discussão do tema rachou o plenário do Supremo, opondo de um lado ministros que defendem resposta rigorosa da Justiça no combate à corrupção – e, de outro, quem destaca o princípio constituci­onal da presunção de inocência e os direitos fundamenta­is dos presos.

“Até mesmo o debate sobre o papel do STF precisa ser verificado. Discutimos muito essa questão da segunda instância tendo como pano de fundo o caso Lula. O caso Lula, de alguma forma, contaminou todo esse debate, tendo em vista essa politizaçã­o. E isto acabou não sendo bom para um debate racional. Eu, inclusive, sou chamado nas redes sociais de um ‘corifeu (pessoa de maior destaque ou influência em um grupo) do petismo’”, disse Gilmar.

Penúltimo a votar, Celso de Mello frisou que, independen­temente da posição de cada colega sobre o tema, todos se opõem à corrupção. “Nenhum juiz do Supremo (...) é contrário à necessidad­e imperiosa de combater e reprimir as modalidade­s de crime praticadas por agentes públicos ou por delinquent­es empresaria­is”, afirmou o decano.

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UESLEI MARCELINO / REUTERS Voto de minerva. Dias Toffoli, presidente do STF, definiu a questão
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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO Plenário. Ministros do STF, durante julgamento que decidiu que condenados só podem cumprir pena após o fim dos recursos

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