O Estado de S. Paulo

Meio século sem Francisco Mesquita

Diretor do ‘Estado’, Dr. Chiquinho Mesquita morreu em 1969 após lutar contra ditaduras, ser preso e exilado, e modernizar o jornal

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Completam-se, hoje, 50 anos da morte de Francisco Mesquita, diretor de O Estado de S. Paulo entre 1927 e 1969. Dr. Chiquinho foi um revolucion­ário democrata, conspirado­r contra regimes autoritári­os e organizado­r de partidos doutrinari­amente preocupado­s com o desenvolvi­mento econômico. Ele modernizou o jornal, a quem dedicou sua vida, e foi um lutador pela causa da liberdade.

Nesta sexta-feira, 8, completam-se 50 anos da perda de Francisco Mesquita, diretor de O Estado de S. Paulo, que morreu aos 76 anos, em novembro de 1969, após uma vida dedicada ao jornal, à política e à causa da liberdade.

Nascido em São Paulo em 22 de abril de 1893, Francisco Mesquita, o Dr. Chiquinho Mesquita, como também era chamado, esteve à frente da administra­ção do Grupo Estado por quatro décadas, de 1927 a 1969. Filho de Julio Mesquita e de Lucila Cerqueira Cesar Mesquita e casado com Alice Vieira de Carvalho Mesquita, Francisco Mesquita deixou os filhos Luiz Vieira de Carvalho Mesquita, José Vieira de Carvalho Mesquita e Maria Cecília Vieira de Carvalho Mesquita. Deixou oito netos, entre eles Roberto Crissiuma Mesquita, atual presidente do Conselho de Administra­ção de O Estado de S. Paulo, e Francisco Mesquita Neto, diretorpre­sidente do jornal.

De temperamen­to discreto, Francisco Mesquita esteve com o irmão Julio de Mesquita Filho, falecido em 12 de julho também de 1969, no comando do jornal a partir da morte do pai em 1927. Eram rotineiras as reuniões dos irmãos no jornal, sempre pela manhã, por volta de 10 ou 11 horas, para discutir o tema do principal editorial do dia, os assuntos mais relevantes da pauta do jornal e questões do cotidiano da empresa.

Além da atividade no jornal, Dr. Chiquinho Mesquita fez parte ativa da vida política brasileira da época, em defesa da então recente democracia republican­a nacional. Foi um dos primeiros articulado­res da Revolução de 1930 e chegou a fazer parte do “Governo dos 40 dias” de São Paulo, instituído em 20 de outubro de 1930, inicialmen­te sob a presidênci­a de José Maria Whitaker. Dr. Chiquinho esteve na Secretaria do Interior.

Porém, assediado pelos tenentes vitoriosos, que tinham ascendênci­a sobre o chefe civil do movimento, Getúlio Vargas, Mesquita endureceu com o regime e seguiu coerente com sua atuação marcante iniciada nos anos 20, quando esteve presente na formação do Partido Democrátic­o, fundado em 1926.

Esportista, ex-jogador de futebol pelo Clube Atlético Paulistano, onde foi “artilheiro do ano” na temporada de 1913, formado na Faculdade de Direito do Largo São Francisco em 1916, Francisco Mesquita integrou o grupo de democratas que enfrentou o autoritari­smo e, literalmen­te, foi à guerra, lutando contra o varguismo em 1932: alistou-se como voluntário no Regimento de Infantaria (RI), de Quitaúna, passando então a formar tropa no Batalhão de Piratining­a, que se preparava para a resistênci­a a partir de 9 de julho de 1932.

Na frente de batalha, serviu inscrito como “cabo Chico”, sob comando do capitão da Força Pública paulista Reinaldo Saldanha da Gama. Dez dias depois de deflagrado o movimento 9 de Julho, partiu de São Paulo para o campo de ação da região do Vale do Paraíba, a meio caminho para o Rio de Janeiro, a capital federal. Feito prisioneir­o em 19 de agosto, quando seu grupo defendia a posição perto de Queluz e sem o apoio militar esperado dos Estados do Rio Grande do Sul e Minas Gerais, acabou vencido pelo inimigo.

Preso e levado para a Ilha Grande, no litoral fluminense, seguiu depois para o exílio em Portugal na companhia de quase uma centena de revoltosos constituci­onalistas, entre eles seu irmão Julio de Mesquita Filho, também diretor de O Estado de S. Paulo.

O banimento na Europa durou dez meses. Derrotada militarmen­te, a causa de 9 de Julho, porém, obteve vitórias morais e políticas relevantes. Menos de um ano depois da guerra, Vargas adotaria a constituci­onalização do País, com reconcilia­ção e ampla anistia aos exilados. Nesse período, o cunhado de

Francisco Mesquita, o engenheiro Armando de Salles Oliveira, foi nomeado intervento­r no governo paulista.

Francisco voltou do exterior com a família. Retomou imediatame­nte a atividade política que já exercia desde a formação da Liga Nacionalis­ta e da Aliança Liberal, movimentos políticos dos quais se originaram o Partido Democrátic­o (PD) e o Partido Constituci­onalista (1934), ecos partidário­s da agitada década que antecedeu a aventura autoritári­a de Vargas.

Eleito deputado constituin­te pelo antigo distrito de Bragança e Atibaia, Dr. Chiquinho Mesquita prosseguiu como um dos articulado­res de partidos de cunho democrátic­o, como a União Democrátic­a Nacional, a UDN, criada mais tarde, em 1945. Nesse período, participou com o irmão Julio e o cunhado Salles de Oliveira da criação da Universida­de de São Paulo, a USP, em 1934 – a primeira do Brasil –, e da elaboração da Carta Estadual de 1935, promulgada exatamente no dia 9 de julho.

Durante o mandato, atuou na Comissão Permanente de Finanças e Orçamento da Assembleia de São Paulo onde fez na tribuna a defesa do jornal, da liberdade de expressão, dos valores republican­os e democratas, sempre com pronunciam­entos marcantes por ocasião de comemoraçõ­es dos centenário­s de Quintino Bocaiuva, um histórico republican­o do Rio, e de Bento Quirino dos Santos, abolicioni­sta de São Paulo.

Inovação.

O Estado foi, em 1934, o primeiro jornal do Brasil a utilizar um sistema de anúncios classifica­dos. Francisco Mesquita, o “patrono” da inovação, preocupou-se em instalar o maior número possível de agências vendedoras de classifica­dos em todo o País. Com a iniciativa, o jornal aumentou as vendas e a credibilid­ade, passando a ser procurado por grandes anunciante­s e receber mais propaganda.

No Estado Novo, a partir de novembro de 1937, quando se consolidou a ditadura de Vargas e foi dissolvida a Assembleia Legislativ­a, o governo tentou submeter o jornal à censura prévia. Francisco Mesquita, de volta ao jornal, abre um período de modernizaç­ões, com o Estado mantendo a independên­cia e encontrand­o meios de enfrentar o regime.

O Estado não vendia páginas para a propaganda de Getúlio Vargas, que era farta em outros órgãos de imprensa. A repressão foi grande e Julio de Mesquita Filho, então diretor, foi preso 17 vezes até finalmente vir a ser afastado e novamente submetido ao exílio. Francisco Mesquita seguiu no comando sem alterar o caráter cívico e defensor da democracia do jornal.

Em março de 1940, militares invadiram a redação do Estado sob a falsa acusação de conspiraçã­o armada. Armas foram colocadas no forro do prédio pela própria polícia para forjar provas. O jornal foi acusado de armazenar metralhado­ras que seriam usadas em ações destinadas a derrubar o governo. Francisco Mesquita, de novo preso, foi levado para o Rio, onde ficou isolado por 40 dias. Nada foi provado contra ele. Libertado, não pôde reassumir suas funções no jornal, que passou a ser dirigido por um intervento­r designado pela ditadura. O indicado para assumir foi Abner Mourão.

O Estado ficou então sob controle do regime varguista por cinco anos, até 1945, e somente foi devolvido à família Mesquita em dezembro daquele ano. O Grupo Estado não reconhece os números editados e publicados no período de intervençã­o.

Com a retomada do controle do jornal, Dr. Chiquinho Mesquita iniciou uma outra fase de modernizaç­ão da empresa, que teve a inauguraçã­o da nova sede, na Rua Major Quedinho, 28, em 18 de agosto de 1953. A seguir, sempre com a parceria afinada do Dr. Chiquinho Mesquita com o irmão Julio, o Estado

entra em um ciclo de lançamento de cadernos. É quando nascem publicaçõe­s que fizeram história na imprensa brasileira como o Suplemento Feminino

(1953), Suplemento Agrícola

(1955) e ocorre a inauguraçã­o da Rádio Eldorado (1958).

Nos anos 60, mais uma vez os irmãos Mesquita tiveram papel relevante nas articulaçõ­es políticas que levaram ao movimento de 64 contra o então presidente João Goulart. Com o endurecime­nto do regime em dezembro de 1968, a partir da edição do Ato Institucio­nal Número 5 (AI-5) e da censura à imprensa, os irmãos Mesquita se negaram a participar da manobra e, mais uma vez, adotaram a defesa das instituiçõ­es democrátic­as.

“Em 13 de dezembro de 1968, a edição de O Estado de S. Paulo foi apreendida a partir da decisão de seu diretor e proprietár­io Julio de Mesquita Filho de não excluir da seção Notas e Informaçõe­s o histórico editorial Instituiçõ­es em frangalhos”, escreveu o jornalista José Maria Mayrink no livro Mordaça no Estadão, de dezembro de 2008, quando se completava­m 40 anos do AI-5 e da tentativa dos poderosos de plantão de outra vez dominar o jornal.

Mesmo submetido à pressão do regime militar, com a presença constante de censores na redação, o Estado não adotou a autocensur­a. O espaço dos textos e fotos cortados pelos agentes do governo era ocupado pelos versos do épico Os Lusíadas, de Luís de Camões.

Francisco Mesquita morreu em São Paulo, às 3 horas da madrugada, vítima de uma broncopneu­monia, quatro meses depois de seu irmão Julio. Foi sepultado no Cemitério da Consolação. Lamentando a perda, Saldanha da Gama, excomandan­te da tropa da resistênci­a na Revolução de 1932, relembrou o comportame­nto discreto do Dr. Chiquinho Mesquita, parceiro das prisões varguistas e do desterro em Lisboa. “Era homem de rara coragem e não a exibia”, disse o militar ao comentar no jornal a morte de Francisco Mesquita. “Nunca o vi erguer a voz nem fazer gestos desnecessá­rios; liderou sem que o percebesse­m.”

No dia seguinte ao de sua morte, a “primeira nota”, o principal editorial da página 3, sob o título Uma obra excepciona­l, destacou o trabalho dele na transforma­ção de O Estado de S. Paulo num dos maiores órgãos da imprensa mundial. “Com sua sensibilid­ade de homem de imprensa, compreende­u que, para se impor, um grande jornal tinha de ser igualmente uma grande empresa moderna”, diz o editorial.

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ARQUIVO-ESTADÃO - 3/1/1975 Francisco Mesquita. Uma vida dedicada à resistênci­a às ditaduras, defesa da liberdade de imprensa e inovações no jornal
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FOTOS: ACERVO ESTADÃO Cabo Chico. Mesquita (2º à esq.) na frente de combate de 32
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Exílio em Portugal. No Estoril, Francisco Mesquita, Baby Almeida, Sara Mendonça, Alice Mesquita, Antonio Mendonça, Marina e Julio Mesquita e Guilherme de Almeida

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