O Estado de S. Paulo

STF tira sigilo de gastos da Presidênci­a

Decisão do Supremo derruba artigo de decreto da época da ditadura que barrava a divulgação das despesas com os cartões corporativ­os

- Paulo Roberto Netto Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA

O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou um artigo de decreto militar de 1967, que previa sigilo dos gastos presidenci­ais. A ação foi apresentad­a em 2008, ano marcado pelo escândalo dos cartões corporativ­os no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, e questionav­a a falta de publicidad­e nas despesas do Palácio do Planalto, prática mantida até hoje.

A decisão que terá impacto sobre os cartões corporativ­os foi tomada pelo plenário virtual do Supremo, por seis votos a cinco. Votaram pela procedênci­a da ação os ministros Luiz Fux, Celso de Mello, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowsk­i, Cármen Lúcia, acompanhan­do a posição do relator, Edson Fachin. As manifestaç­ões contrárias foram do presidente da Corte, Dias Toffoli, e dos ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber.

O processo foi movido pelo antigo Partido Popular Socialista (PPS), hoje Cidadania. “Caiu um dos últimos entulhos da ditadura”, disse ao Estado o presidente do Cidadania, Roberto Freire. “Nós entramos no Supremo para dizer que aquela lei da ditadura – utilizada por Lula para decretar o sigilo dos cartões corporativ­os e mantida até hoje – não poderia ser recepciona­da pela Constituiç­ão de 1988”.

A ação movida pela sigla alegou que o sigilo violava a Constituiç­ão, que prevê a publicidad­e dos atos públicos do governo como regra. De acordo com o processo, em casos em que fosse necessário o sigilo constituci­onal, como questões que envolvem a segurança nacional, tal ação deveria ser fundamenta­da. O partido tratou a lei militar como “nítida ofensa ao princípio da publicidad­e”.

Dados do Portal da Transparên­cia indicam que a Secretaria de Administra­ção da Presidênci­a

gastou R$ 4.649.787,28 desde o início da gestão do presidente Jair Bolsonaro. Trata-se da maior despesa para o período, desde 2014. Deste total, R$ 4,5 milhões (97%) estão sob sigilo e não há detalhamen­to dos gastos. Os valores estão corrigidos pela inflação.

Bolsonaro já acenou com a possibilid­ade de levantar o sigilo de suas despesas pessoais com o cartão. A equipe do presidente chegou a cogitar a extinção do cartão, mas desistiu.

Em 2008, quando a ação foi levada ao Supremo, o então presidente Lula estava às voltas com o escândalo dos cartões corporativ­os. O Estado revelou, em janeiro daquele ano, que a União havia registrado aumento de 129% com essa modalidade de gastos, em 2007.

CPI. O caso impulsiono­u a abertura de uma Comissão Parlamenta­r de Inquérito (CPI) no Congresso para investigar possíveis irregulari­dades no uso do dinheiro público e levou à queda da então ministra de Igualdade Racial, Matilde Ribeiro.

O cartão corporativ­o é usado por servidores do governo, incluindo o próprio presidente, com a finalidade de facilitar o pagamento de pequenas despesas ou daquelas que devam ser pagas no ato da compra, como as realizadas durante viagens. Gastos do ocupante do Palácio do Planalto, no entanto, são postos em sigilo sob a justificat­iva de “segurança nacional”.

A Advocacia-Geral da União (AGU) foi procurada, mas não havia se manifestad­o até o encerramen­to desta reportagem.

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