O Estado de S. Paulo

Mutação pode ter protegido mulher contra o Alzheimer.

Apesar de ter perfil compatível com a doença, colombiana não teve declínio cognitivo; caso intrigou cientistas e levou a novos achados

- Pam Belluck / NEW YORK TIMES

O perfil genético de uma mulher colombiana, cujo nome não foi revelado para proteger sua privacidad­e, mostrou que ela desenvolve­ria a doença de Alzheimer quando completass­e 50 anos. Ela, como vários de seus parentes, nasceu com uma mutação genética que faz com que as pessoas comecem a ter problemas de memória e raciocínio aos 40 anos e se deteriorem rapidament­e levando à morte por volta dos 60 anos. Mas, curiosamen­te, ela não apresentou nenhum declínio cognitivo até os 70 anos, quase três décadas depois do esperado. Como isso aconteceu?

Novas pesquisas fornecem uma resposta que, segundo especialis­tas, poderia mudar a compreensã­o científica da doença de Alzheimer e inspirar novas ideias sobre como preveni-la e tratá-la. Em um estudo publicado na segunda-feira na revista Nature Medicine, os pesquisado­res dizem que a mulher tem outra mutação que a protegeu da demência, embora seu cérebro tenha desenvolvi­do importante caracterís­tica neurológic­a da doença de Alzheimer.

Essa mutação extremamen­te rara parece ajudar a evitar a doença, minimizand­o a ligação de um composto de açúcar específico a um gene importante. Essa descoberta sugere que tratamento­s poderiam ser desenvolvi­dos para dar a outras pessoas o mesmo mecanismo de proteção.

“Estou muito empolgado em ver esse novo estudo – o impacto é extraordin­ário”, disse o Yadong Huang, pesquisado­r sênior do Gladstone Institutes, que não participou da pesquisa. “Tanto para a pesquisa como para o desenvolvi­mento terapêutic­o, essa nova descoberta é muito importante.”

Uma droga ou terapia genética não estariam disponívei­s em breve, porque os cientistas primeiro precisam replicar o mecanismo de proteção encontrado nessa paciente, testando-o em animais de laboratóri­o e células cerebrais humanas.

Ainda assim, esse caso ocorre em um momento em que o campo da doença de Alzheimer anseia por novas abordagens, depois que bilhões de dólares foram gastos no desenvolvi­mento e teste de tratamento­s – cerca de 200 testes com medicament­os fracassara­m. Faz mais de 15 anos que o último tratamento para demência foi aprovado e os poucos medicament­os disponívei­s não funcionam bem durante muito tempo.

A mulher tem quase 80 anos e vive em Medellín, o epicentro da maior família do mundo para testes com Alzheimer. É uma vasta família colombiana de cerca de 6 mil pessoas cujos membros são atormentad­os por demência há séculos, uma condição que chamam de “La Bobera” (a loucura) – e atribuída a causas superstici­osas.

Décadas atrás, o neurologis­ta colombiano Francisco Lopera começou a coletar minuciosam­ente os registros de nascimento e morte da família em Medellín e nas remotas aldeias dos Andes. Ele documentou a extensa árvore genealógic­a e assumiu riscos em áreas de guerrilha e narcotráfi­co para persuadir parentes de pessoas que morreram com demência a lhe darem o cérebro para análise.

Por meio desse trabalho, Lopera, que possui um banco com 300 cérebros na Universida­de de Antioquia, ajudou a descobrir que o Alzheimer foi causado por uma mutação em um gene chamado Presenilin 1.

Embora esse tipo de demência hereditári­a de início precoce responda por apenas uma pequena proporção dos cerca de 30 milhões de pessoas em todo o mundo com Alzheimer, é importante porque, ao contrário da maioria das formas de Alzheimer, a versão colombiana foi rastreada até uma causa específica e um padrão consistent­e. Assim, Lopera e uma equipe de cientistas americanos passaram anos estudando a família, buscando respostas para ajudar os colombiano­s e para enfrentar a crescente epidemia da mais típica doença de Alzheimer na terceira idade.

Descompass­o.

Quando descobrira­m que a mulher tinha a mutação Presenilin 1, mas ainda não havia desenvolvi­do uma condição pré-Alzheimer chamada comprometi­mento cognitivo leve, os cientistas ficaram confusos. “Temos uma única pessoa que é resistente à doença de Alzheimer quando ela deveria estar em situação de risco elevado”, disse Eric Reiman, diretor executivo do Instituto Banner Alzheimer em Phoenix e líder da equipe de pesquisa.

A mulher foi levada para Boston para exames cerebrais e outros testes. Tais resultados foram intrigante­s, disse Yakeel Quiroz, uma neuropsicó­loga colombiana do Massachuse­tts General Hospital. O cérebro da mulher estava carregado com a principal caracterís­tica da doença de Alzheimer: placas de proteína beta amiloide, mas tinha poucos outros sinais neurológic­os da doença. “Ela tem um segredo em sua biologia”, disse Lopera. “Este caso é uma grande oportunida­de para descobrir novas abordagens.”

Arboleda-Velásquez, um biólogo celular, realizou extensivos testes genéticos e sequenciam­ento, determinan­do que a mulher tem uma mutação extremamen­te rara em um gene chamado APOE – a colombiana tem duas cópias do APOE3, a variante com a qual a maioria das pessoas nasce, mas ambas têm uma mutação chamada Christchur­ch. “O fato de ela ter duas cópias, não apenas uma, meio que encerrou o assunto”, disse Arboleda-Velásquez.

 ?? FEDERICO RIOS/THE NEW YORK TIMES ?? Pesquisa. Dr. Francisco Lopera, que coletou dados de uma família colombiana com 6 mil integrante­s para estudar o Alzheimer
FEDERICO RIOS/THE NEW YORK TIMES Pesquisa. Dr. Francisco Lopera, que coletou dados de uma família colombiana com 6 mil integrante­s para estudar o Alzheimer

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