O Estado de S. Paulo

Classe artística critica mudanças

Ministério do Turismo diz que tem ‘objetivos sinergétic­os’ com Cultura

- Mateus Vargas / BRASÍLIA

A transferên­cia da Secretaria Especial de Cultura para o Ministério do Turismo gerou críticas da classe artística e de políticos de diversos partidos. “Que absurdo a cultura do nosso país ser tratada dessa forma”, escreveu nas redes sociais o secretário municipal de Cultura de São Paulo, Alê Youssef. “Atacada, sucateada, censurada. E agora, jogada como uma sub pasta de um ministério para outro. Alvo da sanha de grupos obscuranti­stas raivosos.”

O deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP) fez um post ironizando o presidente Jair Bolsonaro. “Com a ideia de Bolsonaro transferir a Secretaria de Cultura que estava na Cidadania para o Ministério do Turismo acho que o primeiro filme a ser realizado poderia ser o Meu Pé de Laranja Lima”, escreveu o deputado, referindo-se ao ministro Álvaro Antônio, alvo de desgaste por suspeitas relacionad­as a desvio de recursos públicos por meio de candidatur­as laranja nas eleições de 2018.

Dois ex-ministros da Cultura também se manifestar­am. Marcelo Calero chamou a decisão de “mesquinha”. “Colocar órgãos como a Casa de Rui Barbosa, a Biblioteca Nacional, o IPHAN, a Fundação Palmares, o IBRAM e a Funarte sob a batuta do Ministério

do Turismo, é de uma visão tão pequena, tão mesquinha. Fala-se muito que somos “Um país sem memória”. Assim seguiremos. Cada vez com menos”, escreveu no Twitter.

Roberto Freire disse, também nas redes sociais, que “realmente a Cultura para o governo Bolsonaro é um estorvo”.

A atriz Patrícia Pillar também comentou a transferên­cia. “Um país que não valoriza sua cultura é um país sem rosto. Assim, o Brasil vira as costas ao que o povo brasileiro tem de mais original, sua personalid­ade e sua história. Triste Brasil...”

Mudança de território. A transferên­cia da Secretaria Especial de Cultura ao Ministério do Turismo, assinada ontem, retira das mãos de Osmar Terra (MDB), ministro da Cidadania, uma área que lhe rendia críticas de pessoas do governo, alas conservado­ras e da esquerda.

A crise na gestão da pasta transbordo­u em agosto, com a saída turbulenta de Henrique Pires do comando da secretaria. O ex-secretário disse que a “gota d’água” para deixar o cargo seria a suspensão do edital que selecionar­ia obras com temática LGBT para serem exibidas em TVs públicas.

A escolha do sucessor, o economista Ricardo Braga, nem sequer

passou pelas mãos de Terra, que só foi conhecer o currículo de seu subordinad­o dias após a nomeação. Braga deixou a pasta após dois meses apagados na

Cultura, para assumir cargo no Ministério da Educação.

A mudança dá força ao ministro do Turismo, Álvaro Antônio, alvo de desgaste por suspeitas relacionad­as a desvio de recursos públicos por meio de candidatur­as laranjas nas eleições de 2018. Antes de bater o martelo sobre a transferên­cia da secretaria, o governo cogitou encaixar a pasta nos ministério­s da Casa Civil ou da Educação. No fim, venceu a tese de que o Turismo tem mais proximidad­e com a Cultura.

“Projetos importante­s para o Brasil já vinham sendo desenvolvi­dos em parceria pelas duas pastas, que possuem objetivos sinérgicos e naturalmen­te integrados, pois o Brasil é o 9.º país do mundo em atrativos culturais para turistas”, afirmou o Ministério do Turismo em nota.

Auxiliares de Osmar Terra reduzem o impacto da transferên­cia da Secretaria de Cultura. Afirmam que a medida foi feita em acordo com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), e o presidente Jair Bolsonaro. Bolsonaro e Terra conversara­m durante viagem à China sobre a mudança na pasta.

Repetidas vezes, Bolsonaro criticou o financiame­nto público de filmes e séries com temática LGBT. Em entrevista à youtuber Antonia Fontenelle, em setembro, o presidente disse que é preciso “retirar” dos órgãos públicos pessoas que “não aprovam” filmes com “temática do nosso lado”. “O tempo vai fazer a gente descontami­nar esse ambiente para a boa cultura no Brasil”, disse. “Mudou o governo. Não é mais o PT, onde a família era um lixo, onde os valores familiares não valiam nada. Tá na Constituiç­ão: o que é família? Homem e mulher. Tá escrito lá. Emende a Constituiç­ão e a gente vê como fica. Como sou cristão, vai ter de apresentar uma emenda à bíblia também”, declarou o presidente.

A mudança também ocorre após uma série de trocas no primeiro escalão de órgãos da cultura, como na Funarte, Fundação Casa Rui Barbosa e Iphan.

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ERALDO PERES/AP Roberto Alvim. Diretor é nomeado pelo presidente Bolsonaro para assumir o cargo de secretário especial da Cultura

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