O Estado de S. Paulo

EXTREMA DIREITA GANHA ESPAÇO NO LESTE EUROPEU

Em velhas nações comunistas, como Hungria e Polônia, além do lado oriental da Alemanha, partidos nacionalis­tas captam frustração da população com prosperida­de econômica que nunca veio e usam discurso contra elite para ganhar espaço político

- Ana Carolina Sacoman

Entre os habitantes de países da antiga Cortina de Ferro, como Hungria e Polônia, há um sentimento de que as elites e os políticos ganharam mais do que o cidadão comum 30 anos após a queda do muro de Berlim. Também na parte oriental da Alemanha, partidos nacionalis­tas discursam contra as elites para avançar.

O caldeirão do nacional-populismo foi lentamente cozido no fogo baixo da insatisfaç­ão e da frustração no Leste Europeu nos 30 anos após a queda do Muro de Berlim. Partidos frágeis, a percepção de que a prosperida­de é ainda uma sombra do prometido e a revolução digital, que abriu as portas para as transforma­ções no mercado de trabalho, impulsiona­ram o discurso de combate às elites do partido húngaro Fidesz, de Viktor Orbán, e do polonês Lei e Justiça, de Jaroslaw Kaczynski.

“As pessoas aceitaram de má vontade a desigualda­de, mas esperavam que isso fosse compensado pela igualdade de oportunida­des (após a queda)”, diz Konstanty Gebert, colunista da Gazeta Wyborcza, na Polônia, ex-ativista anticomuni­sta. “Quando viram que não aconteceu, isso levou à sensação de que a revolução havia sido traída e a uma reação contra as elites democrátic­as.”

Pesquisa divulgada no mês passado pelo Pew Research Center reforça a tese. Segundo o estudo, há entre os habitantes dos países da antiga Cortina de Ferro um sentimento generaliza­do de que as elites e os políticos ganharam mais do que o cidadão comum – 71% dos húngaros, por exemplo, creem que os políticos não se importam com o que a população pensa.

A situação não é diferente entre os alemães que viviam sob o regime comunista. Uma visão menos favorável da União Europeia e o descontent­amento com a representa­tividade política dão combustíve­l para iniciativa­s como a do Alternativ­a para a Alemanha (AfD), partido de extrema direita que obteve, em setembro, 27,8% dos votos nas eleições na Saxônia e 23,5% em Brandembur­go, ambos Estados que pertencera­m à Alemanha Oriental (RDA).

Análise do Barômetro do Populismo, de 2018, mostra que quase um terço dos eleitores da ex-RDA (30,4%) apresentav­am “tendências populistas”. “Na Alemanha, a volta de partidos de extrema direita assusta mais pela lembrança do nazismo, que em geral é relacionad­o a tais movimentos”, afirma o professor de relações internacio­nais da ESPM, Demetrius Pereira.

Economia. Ainda que o avanço do nacional-populismo tenha começado poucos anos após a queda do Muro, as crises econômica de 2008 e a migratória, a partir de 2015, ajudaram a detonar a rejeição aos partidos tradiciona­is e à integração europeia. “A crise financeira de 2008 confirmou o sentimento generaliza­do para parcela da população de que os ‘sábios’, na melhor das hipóteses, não sabem o que estão fazendo e o Ocidente mente deliberada­mente para manter seus interesses”, diz Gebert. Para Joerg Forbrig, diretor para o Leste Europeu e Europa Central do German

Marshall Fund, o baque econômico de dez anos atrás resultou em uma “reação contra a globalizaç­ão e a integração da zona do euro”.

A crise dos refugiados acrescento­u mais elementos à lista de problemas. “Tensões de longa data vieram à tona entre a ideia de sociedades abertas e diversas, por um lado, e a ideia tradiciona­l de comunidade­s culturais homogêneas, por outro”, diz o especialis­ta alemão. “Os governos de Hungria e Polônia e muitas pessoas na Alemanha Oriental também rejeitaram as decisões da UE de admitir refugiados de regiões devastadas pela guerra. Como resultado, a rejeição à migração e à integração na UE ganhou mais força.”

No ano passado, o Pew Research Center mostrou que, enquanto a Europa como um todo apoia a entrada de imigrantes, mas questiona como Bruxelas trata do assunto, países como Hungria e Polônia têm os menores índices de disposição em acolher refugiados: 32% e 49%, respectiva­mente.

“As crises financeira e imigratóri­a reforçaram nesses países a sensação de que os novos regimes não conseguira­m entregar os bens públicos prometidos como contrapart­ida do novo contrato social estabeleci­do após 1989”, afirma Paula Vedoveli, professora de relações internacio­nais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Especialis­tas ouvidos pelo Estado são unânimes em apontar uma hipotética paralisia política como um dos riscos do avanço do nacional-populismo na UE, ainda que, por ora, os tentáculos estejam restritos a Estados pequenos e de influência limitada.

“O movimento seria muito mais ameaçador se um governo como o da Itália ou da França resolvesse desafiar as regras econômicas do bloco”, afirma Roger Eatwell, professor da Universida­de de Bath, no Reino Unido, e autor do livro National Populism: The Revolt Against Liberal Democracy, que deve ser lançado no Brasil em 2020.

E como será o futuro? Para analistas, o resultado das eleições locais na Hungria, com a derrota do partido de Orbán em Budapeste e em 11 das 23 principais cidades, pode dar dicas. “Há sinais de que a ‘onda’ populista que varreu a Europa nos últimos anos não crescerá de maneira linear”, diz Joerg Forbrig.

Konstanty Gebert, porém, alerta que os populistas não perderão poder enquanto os democratas não convencere­m seus eleitores de que eles são confiáveis. “Isso significa abordar as razões que levaram à perda de confiança, incluindo erros cometidos na economia e a rejeição às identidade­s de grupo.”

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FABRIZIO BENSCH/REUTERS–9/11/1989 Momento histórico. Cidadãos das Alemanhas Ocidental e Oriental festejam diante do Portão de Brandenbur­go a abertura do Muro de Berlim

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