O Estado de S. Paulo

Crescem ações movidas por siglas no Supremo

Número de processos iniciados por partidos políticos para questionar leis e atos normativos atinge maior índice desde 2014

- Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA

Partidos de diferentes campos ideológico­s têm acionado cada vez mais o Supremo Tribunal Federal (STF) com ações que servem para contestar a legalidade de leis e atos normativos, além de apontar a omissão do próprio poder público.

É o que mostra levantamen­to exclusivo feito pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a pedido do Estado, nas chamadas “ações de controle concentrad­o” ajuizadas ao longo dos últimos cinco anos. Os números lançam luz sobre o papel do Supremo, alvo de críticas no Congresso por praticar “ativismo judicial”, ao mesmo tempo em que é cada vez mais provocado pelas próprias siglas para decidir sobre temas de interesse da sociedade.

Em 2014, 24 “ações de controle concentrad­o” foram ajuizadas por partidos, que representa­ram 18,2% do total de processos desse tipo no tribunal. Cinco anos depois, o número de ações saltou para 61 e a participaç­ão das legendas nesse bolo subiu para 23,8%, o maior índice registrado no período verificado pelo STF. No ano passado, a proporção foi de 20,8%.

Um dos casos mais emblemátic­os em que o Supremo foi acionado por partidos é o da prisão após condenação em segunda instância. Das três ações julgadas, duas foram movidas pelo PC do B e Patriota (ex-Partido Ecológico Nacional), que queriam confirmar a validade do artigo 283 do Código de Processo Penal, segundo o qual o trânsito em julgado – quando se esgotam todos os recursos – é condição necessária para a prisão.

Ao criminaliz­ar a homofobia, o Supremo entrou na mira de grupos conservado­res que acusaram o tribunal de usurpar as competênci­as do Parlamento em legislar, mas uma das ações julgadas tinha sido movida pelo Cidadania, antigo PPS.

O partido que mais acionou o Supremo no período do levantamen­to foi o Solidaried­ade, com 41 ações. Na avaliação do presidente do partido, o deputado Paulo Pereira da Silva (SP), a polarizaçã­o no cenário político contribui para a judicializ­ação. “Isso leva os partidos a tentar impor seu ponto de vista, pedindo para a Justiça interferir, mas acho que é principalm­ente uma deficiênci­a que a gente tem no Congresso de não votar os proje

“É principalm­ente uma deficiênci­a que a gente tem no Congresso Nacional, de não votar os projetos que deveriam ser votados.”

Paulinho da Força (SP)

PRESIDENTE DO SOLIDARIED­ADE

tos que deveriam ser votados”, disse Paulinho da Força.

Depois do Solidaried­ade, os partidos que mais entraram com ações no Supremo foram PDT (35), PSOL (33), PSB (29) e PT (29). O PSL, sigla do presidente Jair Bolsonaro, aparece em oitavo lugar, empatado com o Cidadania.

Entendimen­to. Quem costuma apresentar o maior número de “ações de controle concentrad­o” é a Procurador­ia-Geral da República, que até a Constituiç­ão de 1988 detinha o monopólio de contestar leis e atos normativos perante o Supremo. Depois da nova Constituiç­ão, o rol foi ampliado – partidos, Advocacia-Geral da União, OAB e governos estaduais ganharam essa prerrogati­va.

O presidente do Cidadania, Roberto Freire, disse que questões do Legislativ­o não devem ser discutidas pelo Judiciário. “O Congresso não tem de se subordinar ao Judiciário. Há casos em que até interpreta­ção do regimento (do Congresso) vai para o Supremo. Isso é um absurdo. Quem tem de resolver os problemas da política somos nós”, afirmou Freire.

O ex-ministro destacou, no entanto, que o Cidadania sempre recorre ao Supremo em questões que, na avaliação do partido, ferem a Constituiç­ão. Em 2008, por exemplo, a legenda – que à época se chamava PPS – ingressou com ação na Corte para atingir o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e quebrar o sigilo dos gastos com cartões corporativ­os.

A decisão saiu só nesta semana, quando o Supremo mandou derrubar o sigilo das despesas presidenci­ais. “Caiu um dos últimos entulhos da ditadura”, comemorou Freire.

Para Roberto Dias, professor de Direito Constituci­onal da FGV São Paulo, partidos tentam transferir para o campo jurídico um debate político no qual saíram derrotados. “O acirrament­o da polarizaçã­o, somado ao número crescente de partidos no Congresso, dificulta o consenso e provoca mais encaminham­ento dessas ações ao STF”, disse.

Dias também apontou uma falta de contenção do próprio Supremo nas suas decisões. “O STF não tem tido uma posição de autoconten­ção. Não é tão deferente às decisões do Parlamento. Mostra-se muito ativo e, portanto, isso estimula que os partidos derrotados continuem apresentan­do demandas”, opinou.

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