O Estado de S. Paulo

Queda do Muro mudou a ordem que Trump agora tenta sepultar

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Foi uma cobertura espetacula­r. Participar de um movimento histórico desses foi uma das grandes experiênci­as profission­ais e pessoais. Na ocasião, usei um velho truque de repórter: peguei um taxi e fui à Alemanha Oriental buscar pessoas que queriam visitar alguém na Alemanha Ocidental. E oferecia carona para eles. No caminho, vinha entrevista­ndo as pessoas.

Então, eu consegui registrar a primeira emoção de um alemão-oriental ao passar pelo muro da morte. Durante anos, se a pessoa tivesse coragem de tentar transpor o Muro de Berlim, acabava fuzilada. Esse contato direito me proporcion­ou a extraordin­ária possibilid­ade de perceber como elas reagiam diante daquele fato histórico. Foi uma daquelas coberturas que a gente costuma dizer que foi emocionant­e.

Quando a gente fala da divisão da Europa, não estamos falando apenas de uma questão geopolític­a. Estamos falando do destino de milhões de pessoas, de como elas se sentiam diante daquela brutalidad­e. Tentei explorar essas duas linhas de forma paralela nas reportagen­s enviadas para São Paulo.

As ilusões com a queda do Muro de Berlim, no entanto, se dissiparam com certa rapidez e entrou, no lugar daquilo, uma noção realista de duas Alemanhas: uma de primeira classe, tradiciona­l, ocidental. E outra de segunda classe.

É essa noção de ser habitante de um país que é considerad­o subjetivam­ente de segunda classe que explica o sucesso de grupos que, no espectro político alemão, nunca tiveram grande lugar, como o Alternativ­a para a Alemanha (AfD), que tem uma posição de repulsa ao outro, que explora veios profundos e desagradáv­eis.

Outro aspecto da queda do Muro de Berlim é o da Europa. A Alemanha voltou a ser o centro do continente, a principal potência. Suas questões afetam todo bloco e, portanto, todo o relacionam­ento da chamada ordem liberal internacio­nal, que Donald Trump está sepultando. Sem dúvida, estamos vivendo o fim de uma época.

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HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO – 15/3/2018

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