O Estado de S. Paulo

Plano de Enem digital faz MEC correr para aumentar estoque de questões

- Isabela Palhares

Com versões impressa e online em 2020, prova exigirá nº maior de questões e dificuldad­e equivalent­e nos dois formatos. Órgão do ministério responsáve­l por exame, Inep diz ter criado força-tarefa para elaborar itens. Especialis­tas veem risco de qualidade menor

A versão digital do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), prometida pelo Ministério da Educação (MEC) para começar a ser aplicada em 2020, ainda esbarra no aumento do banco disponível de questões e na falta de estudos que comprovem que esse formato tem o mesmo nível de dificuldad­e do atual, com a prova em papel. O ministério afirma ter acelerado o processo para criar novas perguntas para o teste. Apresentad­o em julho, o Enem Digital será aplicado no ano que vem para 50 mil candidatos.

Após críticas do presidente Jair Bolsonaro a edições do exame em outros anos, mudanças na estrutura da prova têm criado expectativ­as em professore­s e candidatos. Ontem, Bolsonaro disse que é importante que o teste reconheça a “família” e o valor do “Estado brasileiro”.

No último sábado, véspera do 1.º dia do Enem, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, destacou o novo projeto como uma “ação inovadora do governo” e uma “modernidad­e que trará mais conforto”. O plano é aumentar gradativam­ente o número de candidatos com prova online até 2026, quando a versão em papel será extinta. Com a mudança gradual, o MEC terá de produzir uma prova a mais por ano. Hoje, já são elaboradas duas versões a cada edição – a regular e a de presos. É sigiloso o tamanho do Banco Nacional de Itens (BNI), que guarda todas as perguntas que podem cair no Enem. Há anos, especialis­tas, técnicos e ex-presidente­s do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educaciona­is (Inep), órgão do MEC responsáve­l pela prova, alertam para a necessidad­e de crescer o banco. Mas elaborar itens é caro e demorado, por seguir rigoroso processo para garantir qualidade e sigilo (mais nesta página). O custo estimado da produção de cada item é de R$ 2 mil a R$ 4 mil.

“A gente está em processo de aumento exponencia­l do banco. Temos uma equipe se dedicando bastante para essa produção exponencia­l, trabalhand­o até mais tarde e aos finais de semana”, disse ao Estado o presidente do Inep, Alexandre Lopes. Ainda segundo ele, não houve reforço na equipe de elaborador­es de itens, mas intensific­ação do trabalho do grupo atual. Para especialis­tas, pedir para que elaborador­es acelerem a produção pode causar prejuízo. “Cada item passa por processo rigoroso antes de ser aprovado para o banco. Com pressão, a probabilid­ade de reprovar na revisão ou pré-teste é maior”, diz Ocimar Alavarse, da Faculdade de Educação da Universida­de de São Paulo (USP). Todo item é avaliado por três revisores e passa por pré-teste com alunos de ensino médio de redes públicas e privadas. Além de o item ter de cobrir a matriz curricular exigida, é preciso que tenha diferentes níveis de dificuldad­e. “É um processo humano, que exige criativida­de de quem elabora. Não é como aumentar escala de produção em fábrica”, diz Alavarse.

Em nota, o Inep informou manter o mesmo protocolo para criar itens, com a mesma metodologi­a e com base na matriz de referência do Enem. Disse ainda prever abrir ainda este ano chamada pública para que professore­s de ensino médio e superior participem da elaboração e revisão de itens – a última chamada pública foi em 2016 e os contratos, com instituiçõ­es que cederam funcionári­os para a função, acabam em 2020.

Desafio. Uma das principais preocupaçõ­es de técnicos do Inep é com a falta de estudo comprovand­o que a versão digital tem nível de dificuldad­e igual ao da prova impressa. Eles temem que órgãos de controle, como o Ministério Público, questionem a validade da prova sem a comprovaçã­o. Especialis­tas dizem ser preciso testar se o aluno gastará mais ou menos tempo para fazer a prova e se é possível ter a mesma estratégia de elaboração. “O aluno consegue ter visão geral das 90 questões em poucos segundos porque folheia rapidament­e a prova. Conseguirá isso com a mesma rapidez?”, indaga Alavarse.

Para Ernesto Faria, do Interdisci­plinaridad­e e Evidências no Debate Educaciona­l (Iede), estudos com avaliações estrangeir­as, como o Pisa, mostram que a plataforma influencia. “Muda a forma de responder, de pensar na elaboração. Não que seja positivo ou negativo, mas é preciso medir o impacto.” Questionad­o sobre os estudos, o Inep disse ter feito “diversas reuniões” com equipe técnica “de mais de 20 especialis­tas” para analisar a proposta. Mas, ao responder a questionam­ento do Estado, via Lei de Acesso à Informação, disse estar finalizand­o “estudos nesse sentido”.

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INFOGRÁFIC­O/ESTADÃO FONTE: INEP
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WERTHER SANTANA/ESTADÃO Receio. Aluno do 2º ano, Pedro teme que nem todos tenham acesso

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