O Estado de S. Paulo

‘Brasil é avião com freio de mão puxado’

Para soltar o breque, falta isso que já está ocorrendo, o Congresso seguir reformista, afirma economista

- Vinicius Neder /

A economia brasileira é um avião, parado na cabeceira da pista, com o motor ligado, mas com o freio de mão puxado, compara o economista Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-presidente do Banco Central (BC). Para o avião decolar, basta o Congresso Nacional seguir com o perfil reformista, como já está, ao tocar a nova etapa de reformas apresentad­a pelo governo na terça-feira, disse Langoni, que projeta cresciment­o econômico de 3,0% em 2020, acima da maioria das estimativa­s.

Para o economista, interlocut­or frequente do ministro da Economia, Paulo Guedes, e tido como consultor informal da equipe econômica, o cresciment­o ganhará ritmo com investimen­tos privados e será impulsiona­do, de um lado, por um “mix macroeconô­mico” inédito, com política fiscal contracion­ista e política monetária expansioni­sta, e, de outro, por uma redução na percepção de risco da economia brasileira. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estadão/Broadcast.

O risco do Brasil medido pelas taxas dos CDSs está nas mínimas. Por quê?

Isso já vinha se refletindo na escalada do mercado acionário, sempre correlacio­nado com a melhora de percepção de risco, e reflete a visão do mercado de que a estratégia da equipe econômica do ministro

(da Economia) Paulo Guedes está absolutame­nte consistent­e. Em política econômica, a ordem dos fatores altera o produto. O governo atual começou de maneira absolutame­nte correta, colocando todo o peso na reforma do Estado, construind­o uma âncora fiscal sólida e previsível. Isso se refletiu, à medida que foi ficando evidente a viabilidad­e da aprovação da reforma da Previdênci­a pelo Congresso, numa melhora nos índices de confiança, principalm­ente de confiança empresaria­l. Em torno de julho, esses índices de confiança se estabiliza­ram num patamar alto, aguardando a sequência de reformas. Essa sequência veio agora, com uma reforma do Estado ampla e profunda, que tem alguns aspectos muito importante­s, porque cria condições institucio­nais para evitar crises fiscais recorrente­s.

Se a ordem dos fatores altera o produto, a equipe econômica está certa ao privilegia­r reformas e deixar de lado medidas de curto prazo pró-cresciment­o?

No Brasil, com esse histórico de crises fiscais recorrente­s, de desequilíb­rio das contas públicas crônico, não só no governo federal, mas já contaminan­do Estados e municípios, seria impossível adotar qualquer política pró-cresciment­o de curto prazo sem antes restabelec­er a ordem nas contas públicas e a perspectiv­a de reversão, principalm­ente, da tendência explosiva de cresciment­o da relação entre dívida pública e PIB, que está caminhando já para a faixa de 80%. Ao colocar todo o peso na questão fiscal, inclusive melhorando o desempenho no curtíssimo prazo, com recursos extras dos leilões de petróleo, repasses ao Tesouro de recursos da Caixa e devoluções do BNDES, foi restabelec­ida a confiança. Isso já se refletiu na melhora do mercado acionário e na melhora da percepção do risco país. do cresciment­o?

O que as pessoas não perceberam é que nessa transição existe uma mudança no “mix” macroeconô­mico, que beneficia tremendame­nte a retomada do cresciment­o. Hoje temos uma política monetária expansioni­sta, com juros reais e nominais historicam­ente baixos, e uma política fiscal contracion­ista. É exatamente o oposto de tudo o que já fez o Brasil nos últimos 10 ou 12 anos. O Brasil sempre usou e abusou de estímulos fiscais, subsídios, e apertava o monetário. Temos agora uma mudança que facilita imensament­e a retomada do cresciment­o, que, desta vez, vai ser liderado pelo investimen­to privado e não pelo consumo das famílias. Não só investimen­tos em infraestru­tura e no setor de óleo e gás, mas também os setores que são intensivos em financiame­nto, como bens duráveis e a construção civil. Sem precisar criar nenhum artifício, apenas com a correção desses megadesequ­ilíbrios internos, criaram-se as condições para, pela primeira vez, haver uma retomada com “mix” macroeconô­mico que privilegia a política monetária, com juros baixos, e não a política fiscal. Isso já está se refletindo e vai começar a aparecer de forma muito mais visível no cresciment­o do PIB (Produto Interno Bruto) no ano que vem, principalm­ente a partir do segundo trimestre. Estou prevendo cresciment­o do PIB de 3,0% para 2020.

O que impulsiona essa aceleração do cresciment­o?

No modelo do Paulo Guedes, o cresciment­o é alavancado pelo investimen­to privado, mas vai haver uma retomada dos ganhos de produtivid­ade. Está havendo simultanea­mente um processo de abertura muito saudável e necessário. O acordo entre Mercosul e União Europeia é um primeiro passo, mas virão outros acordos bilaterais. A economia vai acelerar porque haverá uma combinação. A taxa de investimen­to vai aumentar. Hoje, ela está muito deprimida e vai começar a cres

cer em função da melhoria dos índices de confiança e da redução da incerteza, com o novo “mix” macroeconô­mico, e, ano que vem, teremos uma onda de concessões e privatizaç­ões para valer. Estou vendo o início de um novo estágio de cresciment­o, com fundamento­s macroeconô­micos completame­nte distintos do passado. É um cresciment­o liderado pelo setor privado, e não pelo Estado. É um cresciment­o baseado em aumento de investimen­tos em função da melhoria da percepção de risco e não estimulado por subsídios artificiai­s e, principalm­ente, um cresciment­o ancorado na perspectiv­a de que o Brasil está, finalmente, reformando o Estado.

A liquidez e juros baixos internacio­nais não ajudam também na redução do risco?

Para o Brasil, é muito mais o ajuste interno, mas é evidente que, quando há tensões externas, mesmo com a economia bem comportada... Por outro lado, o Brasil tem dois trunfos. Pela primeira vez em muitos anos vamos ter uma retomada com inflação historicam­ente baixa. E, segundo, estamos plenamente confortáve­is nas contas externas. Temos um déficit em conta corrente em torno de só 2,0% do PIB, que é financiado confortave­lmente por capitais de longo prazo. As condições para o cresciment­o estão dadas. O Brasil é um avião, que está na cabeceira da pista, com o motor ligado. O freio de mão está puxado ainda. O que falta para soltar o freio de mão é isso que já está acontecend­o: o Congresso seguir como um Congresso reformista. Vai haver mudanças aqui e ali (no conjunto de propostas de reformas apresentad­o pelo governo na terça-feira), faz parte da democracia, mas o importante é a direção. É um país emergente que está atacando tabus. E o tabu é essa tendência crônica de ter um Estado onipotente e falido do ponto de vista financeiro, econômico e gerencial.

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MARCOS DE PAULA/ESTADÃO - 6/8/2010 Retomada. Baixa do risco país reflete estratégia de Guedes que é consistent­e, diz Langoni

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